Regina
Ousada ou destemida?
CENA 6
VIRGINDADE
Regina se olha no espelho e confronta com o retrato do pai e da mãe, não vendo nenhuma semelhança. Reclama da falta de competência da mãe como mulher. Mandou o marido embora na tentativa de assustá-lo para que ele retornasse ao lar pianinho, e deu com os burros n’água. Não apetece a Regina manipular o homem. Culpou sua mãe por não saber controlar os nervos e segurar o relacionamento.
Não sente falta de um pai, mas de um bom pai – uma sensação pior do que a de abandono por um pai relapso. Falta-lhe apoio, o pai dizer “não se preocupe, minha filha”. Sente-se lesada por Deus não ter lhe dado um pai, uma oportunidade sequer para resgatar esse pai. Mesmo que depois se arrependesse. Sua mãe fizera a assepsia dele até nos seus documentos, ao invalidá-lo na paternidade e eliminá-lo de sua biografia, deixando Regina envergonhada quando obrigada a declarar na escola que o pai morreu.
Faz falta um homem em casa, olhando para a mãe, observa Regina.
Faz falta um homem em casa, olhando para ela como filha.
Regina ouvia tantas histórias a respeito de perda da virgindade, que a deixavam de ovo virado. Na Sicília, o marido tinha que exibir na primeira noite o lençol manchado de sangue na sacada do quarto, a prova inconteste do hímen rompido para que as famílias se rejubilassem com o feito à espera da gravidez. Se o hímen era complacente e não jorrava sangue, o marido levantava a suspeita de que alguém chegou antes e tirou o cabaço de sua esposa. Requisitava-se um médico para tentar inocentá-la da ofensa à honra de seu provedor.
Virgindade é um problema para ser resolvido no momento em que se fecha a porta e inicia a lua de mel. O quanto antes. Se a mulher é destinada a aguentar as dores do parto, é absolutamente natural que suporte as dores de uma penetração rápida, segura e eficiente. Ademais, outras virão sem que nada lhe seja perguntado.
O que as freiras do Colégio São Paulo, onde Regina estuda, podem aconselhá-la a respeito de virgindade? Uma vez que são esposas de Cristo. Se siririca é pecado – uma incitação ao sexo desregrado. Ah, se elas escutassem como Sulamita, sua amiga filha de libaneses, pretende transgredir essa cultura! Casar, logo que puder, para fugir à formação atrasada dos árabes. Do tempo das cavernas, se comparado a Copacabana. Sair o quanto antes da casa dos pais, a fim de evitar que eles a empurrem para um comerciante da Rua da Alfândega e ela tenha o mesmo destino da mãe. Sente vergonha de sua família – repugna-lhe as tradições. Dedica-se a escrever histórias sobre as mil e uma noites, no gênero infanto-juvenil. Sabe se vender bem. Em breve, um intelectual se separaria de sua esposa, que ficou ultrapassada, e conquistaria o talento da menina-moça, flor de mulher. Ele a raptaria para juntos avançarem no tempo e se libertarem da conversa fiada de dona de casa e criar filhos, pois isso só corta o interesse sexual. Mata o desejo. Numa dimensão que, em nome da família, ninguém se detém para avaliar. No entanto, Sulamita é da tribo das mulheres que não admite morderem seus lábios, no auge da excitação, pois corresponderia a invadirem seu domicílio sem pedir licença e lhe machucarem.
Regina reclama de não haver educação sexual nos colégios para tirar dúvidas e tratar preocupações reais. Com parca experiência sexual, sua mãe e tias não têm capacidade para esclarecer sobre o assunto. Mesmo porque abordar sexo encoraja fantasias e um despertar precoce que poderia ensejar filhos não desejados ou abortos. Para que precipitar a discussão que envolve a revelação de tantas intimidades, se é no casamento indissolúvel que as arestas têm que ser aparadas?
A sociedade interfere no progresso biológico normal sabotando a progressão da atividade sexual, sem o menor pudor. Além de reprimir os costumes e sobrecarregar o casamento com tanta responsabilidade e expectativa. Até hoje a Bíblia prega que só existe uma equação correta: homem + mulher = bebê.
Para começo de conversa, penetração é algo que não assusta Regina. Se vai doer, é só no início. E, se a dor existe, é para se libertar. É o preço que se paga para chegar à conclusão de que a cavidade de sua vagina não se intimida com o tamanho do pênis. Nem ela irá menosprezar os menos dotados, porque o que dá dimensão ao orgasmo são as preliminares. O farol que a norteia vai desde o suor no cangote à calcinha empapada, o que não quer dizer que ficará à mercê do vigor macho. Ela tem energia suficiente para deixá-lo por baixo e atacá-lo por cima. Se a sua língua já não tinha pudor para doce ou salgado, imagine a delícia que não é vasculhar o corpo à procura de recantos que o submetam à sua vontade. Uma puta disposição que jorra criatividade e imaginação, sem preconceito. Não entra na sua cabeça por que as prostitutas ameaçam tanto a posição da mulher no seio da família. Regina se sente capaz de fazer tudo o que elas fazem. Não dará motivos para o seu marido procurar carne nova. Mesmo que ele interrompa o seu sono de madrugada, não se sentirá nem um pouco diminuída se convocada a satisfazer a sua vontade àquela hora. Ao contrário, pois almeja também tomar iniciativa durante o banho e passar a mão onde ofende a masculinidade e excitá-lo, ao mesmo tempo. O que vier dele, terá sabor e consistência. Não achará sujo nem estará obrigada a banho de asseio. Em qualquer posição que ele a meter, haverá aceitação irrestrita, pois o prazer é seu senhor. Não é como certas meninotas que pensam que o rabo não foi feito para o prazer. Excessivamente condicionadas pelo prazer no clitóris e pelo furor uterino, que conferem à volúpia a marca da autenticidade na troca amorosa. Quando não é pergunta que se faça, se cabe deixar marcas no trajeto com dentadas ou arranhões. Ou se assume o lugar de felino ou fica para titia, cheia de pudores. O toque de elegância é enaltecido na mulher, mas é o toque de malícia que não será esquecido, quando o imprensa num canto e, com o olhar, revela quanto o deseja. Quando, ao dançar, encosta, sem parecer vulgar. Quando, ao se deitar, posa desnuda e se oferece de bruços.
O orgasmo de Regina.
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