Era uma vez uma alma humana que encarnou para primar por sua inteligência. Não uma inteligência própria de um cientista, físico ou teórico renomado. Mas de uma lógica brilhante e tamanha racionalidade que deixavam rasa a complexidade que cercava os problemas abordados por ele. Apesar da tremenda facilidade para destrinchar teoremas, solucionar equações e alcançar o infinito da integral, ensinando a seus amigos e colegas de escola, não seguiu a carreira de matemático. Bastava-lhe a amizade e o companheirismo de quem ajudava e auxiliava quanto a um melhor manejo com os números.
Contudo, o bom senso e uma linha de raciocínio que reduziam a zero problemas difíceis de se encontrar uma saída o fizeram dirigir-se à engenharia da informática. A esquematizar caminhos lógicos que propiciassem maior velocidade para obter a informação desejada ou o resultado ambicionado, fixado na chamada máquina à sua época, hoje tecnologia, e pela volta mais rápida como se estivesse na Fórmula 1.
A obsessão levou-o a afastar-se do lado humano nas questões enfrentadas, do qual tanto prescindia, e foi embotando-o, afundando-o em si mesmo. Mas não se sabe ao certo se predominou uma tendência a se fechar na magia dos cálculos ou se incompatibilizou com o ser humano, por força do fino trato a que outrora se dedicava, exaurindo seu filão quando passou a desconhecer como lidar com situações de relacionamento no seu meio profissional, que se estendeu ao seu casamento e filhos. Separar-se e casar de novo pouco lhe adiantou, como também não se dispôs a desfrutar de outras propostas de trabalho, inclusive no exterior.
Avizinhava-se uma indolência de um macunaíma que quebraria qualquer perspectiva em progredir no tabuleiro de xadrez da vida. Acomodava-se em sua postura discreta, calada, cínica e debochada. Movido por uma total falta de fé sejam quais forem os valores morais que norteiam a sociedade, salvo em função de um mundo novo por se construir, mas que também desacreditava em virtude de constituir-se numa mera utopia. Um desalento só foi tomando conta de sua alma ao permitir pari passu que a descrença ocupasse seu coração.
Ser professor de seus amigos, mas não exercer o magistério, foi-lhe fatal no passado. Pois afastou-se da juventude, do frescor das ideias, o que provoca a renovação e o rejuvenescimento sem fim de nossa alma.
Até que resolveu se aposentar e parar de vez. A decantada inteligência já vinha sofrendo duros abalos e rareando à medida que não enfrentava seus grandes desafios. Sua filha, indignada, lhe perguntou: para onde foi sua inteligência de que seus amigos sempre se admiravam e exaltavam? Procurando instigá-lo para se espiritualizar temendo a depressão que avança inexoravelmente e acaba arrastando para a sepultura a alma humana que não encontra mais sentido na vida. Por ele não ver nem ouvir mais respostas às dúvidas que sempre lançou aos Céus, e bem escondia.
O ambiente propício para enfermidades se instalarem, não importa quais pois terá de mudar de hábitos de vida. Deixar de fumar e beber, uma comida saudável sem frituras e açúcar, e abandonar o sedentarismo, o ócio prazeroso, em suma, o não fazer nada. Com o fígado e os pulmões completamente baqueados ao som de uma tosse de cachorro, terá que lutar pela sobrevivência para escapar de pneumonias que chegam sem dar aviso ou vírus saltitantes que não respeitam ninguém ou infecções simples que podem se agravar e desdobrar-se em infecção generalizada. O recomendado é aprender a respirar, pôr-se a caminhar e alongar seu corpo esquálido e alquebrado.
– Voltar a ser criança, isso eu não quero! – pronunciou-se a inteligência rareando.
Se não se cuidar, irá morrer logo ou um pouco depois. E isso ele não quer. Porque tem medo de morrer. O ideal seria protelar, se fosse possível, quem sabe entrar num acordo. Mas ele nunca acreditou em nada depois da morte! Se renegou tudo em que se podia crer em vida, ou seja, em nada. Se desconversava sobre Céu, Inferno, Juízo Final, ou mesmo admitir a existência da reencarnação e do Plano Espiritual. Natural, se sempre quis distância da irreversibilidade da morte, apesar de não condizer com sua alardeada racionalidade. O que poderia fazer, então, nesse parco tempo de vida que ainda lhe resta? Se falta de fé lhe sobra e se a preguiça mata qualquer projeto inspirador, para que viver mais? Só por medo de encarar o que sempre negou? Só se reformular de cabo a rabo toda a sua trajetória. Mas como? Com que meios? Se depender disso, não irá muito longe.
Não é bem assim. Deus está lhe dando mais uma chance de não desencarnar enquanto não vir a Luz e se renovar, chance essa aparentemente pequena. Não deixar tudo por conta da espiritualidade. Dar os primeiros passos aprendendo a andar, rumo a algo maior. Percebendo que a vida não é só o que transcorre debaixo de seu nariz e sim o que você carrega na sua consciência, olhando para dentro de você. Pois a cada hora somos desafiados a aprender novas lições e a trabalhar nossos valores com o simples propósito de expandir a nossa consciência. Ninguém poderá fazer isso por você!
Com a inteligência rareando, a alma humana titubeia, vacila, mas se não quiser morrer, terá que assumir um caminho. Ou morrerá cheio de dúvidas, quiçá de arrependimentos no último suspiro.
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