Cedo Françoise Sagan conheceu o sucesso quando, aos 18 anos, escreveu em sete semanas seu primeiro e mais consagrado livro: Bonjour Tristesse (Bom-dia, Tristeza), que só nos EUA vendeu um milhão de exemplares, e ao qual se seguiram cerca de cinquenta obras, entre romances e peças de teatro. Casou-se e teve amantes com homens e mulheres, a primeira bissexual famosa da literatura. A sua paixão pela velocidade excessiva em automóveis, além de álcool e cocaína, que lhe obrigaram a sucessivos tratamentos de desintoxicação, e a sua dependência pelo jogo levaram-na praticamente à ruína quando o imposto de renda consumiu sua fortuna. Encontrou a morte aos 69 anos, em 2004, afundada em dívidas, doente e solitária, vivendo seus últimos anos da caridade de bons amigos. Pautada por uma estranha solidão interior, sempre foi uma mulher de esquerda, ativista, inteligente e sensível, considerada por muitos como extraordinária escritora, embora nunca tivesse o talento reconhecido pela crítica.
Se nos basearmos em Bonjour Tristesse, a trama não avança muito além da cozinha dos problemas pequeno-burgueses no cenário do sul da França. Mas se enxergarmos na personagem principal o alter ego da jovem Françoise Sagan, nos seus 17 anos, a terçar armas com as amantes de seu pai, candidatas a esposa, em defesa de sua relação paternal de caráter incestuoso, a ponto de maquinar golpe, ascensão e queda de nova e atual soberana, respectivamente, a cortar a cabeça e ungir, mal começando sua carreira amorosa bem utilizando seu namorado, já candidato a esposo, só podia resultar numa tragédia, bem a gosto da literatura que ama imitar a vida. 6 anos depois, morreria Albert Camus em acidente de automóvel, no auge de sua carreira, provando que a tragédia não é obra de ficção.
Cabe observar a existência de expressões que evocam bem a época da publicação do livro (1954), tal como “estou dividida entre não sentir desejo de me levantar da cama, nem tampouco lá me deixar”, que suscitam o tema de não querer crescer, se adolescente, ou mesmo do suicídio. Não especificamente tratados no livro, mas que bordejam a gravidade do tema ao longo da trama.
Françoise Sagan também nos remete aos tempos atuais do bolsonarismo: “é mais do que estúpido, é constrangedor”.
Ou “quando se está bêbado, costuma-se dizer a verdade, mas ninguém acredita”. Ou “eu não posso me acostumar à mania que as pessoas têm de nos olhar fixamente quando nos querem dizer algo que consideram especial, ou seja, tudo, ou chegar tão próximo de você para se assegurar de que será ouvido”. Algo que por vezes nos enoja ou constrange, por se aproximar alguém com quem você não tem a menor empatia.
Françoise Sagan arrasa com seu pai no livro: “a esposa se tornou o símbolo da vida passada, a juventude que se esvaiu”. Gostaria dela lhe permitir se dar conta que ele não é um velho (de 40 anos) ultrapassado e retomar a lascívia perdida, ao lado daquele belo e pulsante corpo, por alguns momentos que sejam. Ao que ela replica já estar encerrada a era da devassidão, que ele não é mais um colegial, mas um homem a quem confiou sua vida, e que, em consequência, deveria se comportar bem e não como um homem primitivo ou ridículo, escravo de seus caprichos.
Bonjour Tristesse é tão brilhante porque nada do que foi dito acima revela minimamente sobre o que o livro versa, de fato. Françoise Sagan atira para tudo quanto é lado e, para o público masculino, em especial, a alma feminina vem autopsiada em porções generosas para ele se deleitar e, por conseguinte, se preocupar com os dias de hoje. Com o legado de Françoise Sagan.
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