Homem-bomba, camicase, haraquiri, embora impliquem na própria destruição, podem ser considerados como uma recusa a continuar a viver? Quando são provenientes de ações perpetradas contra um alvo específico ou determinado objetivo em que o indivíduo perde a vida ao concretizar o ataque ou ao se violentar, sendo essa morte crucial e desejada pelo responsável. Os motivos concernentes a essas variantes de ataque contra si mesmo correlacionam-se mais a um sacrifício ou martírio e são diametralmente opostos aos que levam alguém a tirar sua própria vida por total incompatibilidade e inaceitabilidade das condições a que estamos sujeitos para conviver entre nossos semelhantes.
Ainda assim, existe alguma confusão entre os termos suicídio, sacrifício e martírio. O suicídio caracteriza o ato de erradicar sua própria existência e o único propósito é o de alcançar só, somente só, a morte do indivíduo que o comete. No entanto, significa o sacrifício de sua própria vida se executado em prol do terrorismo ou de destruir o inimigo. Já o homem-bomba é associado ao martírio de sacrificar sua própria vida pela certeza de ter um lugar reservado no “paraíso” depois da morte e de não ir para o “inferno”, sendo uma conduta repleta de concepções religiosas e de fé, afastando-se assim da definição de sacrifício.
A periferia de Bruxelas, assim como a de Paris e a de Marselha, oferece um grande contingente de jovens descendentes de árabes e de muçulmanos que não pertencem ou não se originam dos países de seus pais ou avós e também não se sentem como pertencentes ou integrados ao lugar onde vivem, por razões culturais e socioeconômicas. O terrorismo propiciou a esses jovens uma nova expressão para sua agressividade, a despeito de muitos deles já terem um passado de criminoso. O Estado Islâmico é uma excelente oportunidade para eles conquistarem autoestima, tornando-os importantes e famosos. Ainda que isso lhes custe a vida terrena, parece-lhes compensador a conquista do Paraíso Eterno, lá entrando como mártires – um desfecho glorioso.
O Estado Islâmico se lançou como grupo guerrilheiro em sua campanha para criar um califado dentro das fronteiras nacionais dos países muçulmanos. Num arco que se estende da Indonésia, a maior população muçulmana do mundo, no Sudeste Asiático, até a Tunísia, no Norte da África, alcançando também a Nigéria, assim como do Oriente Médio até a Europa Ocidental. Atraindo para si pautas nacionais diversas, de grupos locais que passam a integrar sua franquia: “Quanto mais nos prenderem e matarem, mais de nós surgirão”.
Os primeiros terroristas suicidas que explodiam o próprio corpo surgiram entre os séculos XIV e XVI, quando o Império Turco-Otomano vivia um período de expansão. Uma das armas de seu Exército eram os guerreiros suicidas, que se precipitavam contra fortificações ou linhas de batalha do inimigo. Na sequência, vieram os anarquistas da Rússia czarista em 1881, quando Ignaty Grinevitsky conseguiu, enfim, assassinar o czar, aproximando-se de Alexandre II e atirando uma pequena bomba ao chão, fazendo com que o explosivo detonasse. A ação custou a vida de Grinevitsky, que se tornou o primeiro homem-bomba oficial da História.
O exército japonês fez uso de outra modalidade de homens-bomba, ao treinar camicases em 1944: os pilotos que dirigiam aviões carregados de explosivos com a missão de realizar ataques suicidas contra os navios dos Aliados na Segunda Guerra Mundial. Voluntários induzidos pela cultura militar que predominava no Japão antes da bomba atômica, acreditando em um ideal de morte honrada. Se questionados coletivamente se iriam ou não se voluntariar, todos imediatamente davam um passo à frente, pois caso não se submetessem, se cobririam de vergonha e seriam punidos.
Muito embora a expressão “homem-bomba” e a popularização da prática estejam mais relacionadas aos conflitos do Oriente Médio. A utilização de homens-bomba como se conhece hoje surgiu em 1983, no Líbano, em edifícios que alojavam militares dos Estados Unidos e da França, método esse empregado pelo Hezbollah. Primeiramente, direcionado apenas a alvos militares, sem a intenção de matar civis. Em 1994, grupos palestinos como o Hamas, deliberadamente começaram a se valer de homens-bomba contra Israel. Os civis, então, se tornaram definitivamente alvos dos ataques suicidas, como meio convincente para transmitir medo a toda a população israelense. Era a jihad, a guerra santa contra os inimigos do Islã.
Grandes organizações terroristas como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico ficaram conhecidas por utilizar homens-bomba em suas missões. A Al-Qaeda extrapolou por completo ao jogar dois aviões repletos de passageiros contra as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, e mais outro avião sobre o Pentágono, no famoso 11 de Setembro de 2001. No Afeganistão, os talibãs se insurgiram numa recepção de casamento e puseram fim à expectativa de felicidade do casal e das famílias, escondendo explosivos nos turbantes. Contudo, o país mais atingido por estes ataques foi o Iraque, desde a guerra contra os Estados Unidos (2003-2012), legando o paradoxo: embora a maior parte das investidas terroristas seja feita em nome do Islã, a maioria das pessoas feridas e mortas por estes ataques é muçulmana.
Se os homens-bomba não são movidos por motivações pessoais, forçoso assinalar que tampouco são mártires. Já que mártires não estão implicados em causar danos em outras pessoas. E sim submetidos a suplícios ou torturas e capazes de sacrificar a própria vida para levar a cabo alguma missão. Embora ambas as conceituações carreguem no seu ventre a ideia de autosacrifício por uma causa. No entanto, a concepção de martírio é bastante utilizada pelas comunidades e organizações às quais os homens-bomba pertencem como uma forma de incentivar e justificar moralmente suas ações.
O estado mental do terrorista suicida parece similar ao de um indivíduo que queira se suicidar, mas na maior parte dos casos os bombistas suicidas não são suicidas e estão completamente conscientes de seus atos, cuja missão não é morrer, e sim matar outros. O fato deles abdicarem das suas vidas por uma grande causa em que acreditam, não os faz social e religiosamente odiados pela sua fraqueza e violação das regras de Deus, mas os fará heróis aos olhos das comunidades e mártires segundo sua ideologia. O sentimento de humilhação, desonra, injustiça ou a falta de direitos que deviam possuir são os motivadores mais fortes para a concretização dos ataques suicidas.
O haraquiri surgiu no Japão em meados do século XII, generalizando-se até 1868, quando sua prática foi oficialmente proibida. Refere-se ao ritual suicida reservado à classe guerreira, especialmente o samurai, obedecendo a um cerimonial bastante elaborado e executado na frente de espectadores. O método de execução consistia num corte horizontal no abdômen, abaixo do umbigo, efetuado com uma faca partindo do lado esquerdo e cortando-o até ao lado direito, deixando assim as vísceras expostas como forma de mostrar pureza de caráter. Se as forças assim o permitissem, era realizado outro corte puxando a lâmina para cima, prolongando o primeiro corte ou iniciando um novo ao meio desse. Terminado o corte, se ainda estivesse vivo, o samurai partia para a decapitação – o clímax.
Tratando-se de um processo extremamente lento e doloroso de suicídio, o seppuku (como no Japão é conhecido) foi utilizado como método de demonstrar coragem, autocontrole e forte determinação, característicos em um samurai. Consideravam a sua vida como uma entrega à honra de morrer gloriosamente, rejeitando cair nas mãos dos seus inimigos, ou como forma de pena de morte para expiar a desonra frente a um crime, delito ou qualquer outra ignomínia.
Os japoneses davam mais importância à paz da mente e à honra em sua existência do que uma vida longa. Com a aceitação do budismo e dos seus respectivos conceitos de transitoriedade da natureza da vida e a glória da morte, o desenvolvimento do pensamento em torno do haraquiri foi se tornando possível. Ao contrário das religiões cristãs, não traziam o estigma do pecado atrelado ao ato de se suicidar. Desta forma, o suicídio chegava a ser visto como um meio adequado para resolver determinadas situações, não sendo considerado um ato de desespero, mas sim de rigorosa abnegação e lucidez. A força de vontade exigida para tirar a própria vida expressava orgulho, revidando o suposto ultraje e afastando o fracasso.
No haraquiri, a morte pode até mesmo ser lamentável, mas o suicídio é diferente. Aqueles que se submetiam à morte voluntária por motivos nobres como amor, honra ou patriotismo exerciam fascínio. Para um samurai, a perda da honra era inaceitável. Preferível encerrar seu ciclo de vida prematuramente do que vê-lo maculado sob o peso de qualquer indignidade. O que significava que poderia terminar os seus dias com os seus erros apagados e a sua reputação não apenas intacta como também engrandecida. Apenas através de tal gesto o samurai poderia provar a sua retidão moral. No campo de batalha, o suicídio demonstrava que o guerreiro havia lutado com bravura e merecia uma morte honrada. Superando o medo da morte, o samurai vencia o grande enigma da Humanidade.
Um dos últimos casos mais conhecidos de haraquiri, tão ruidoso quanto procurou-se abafar, envolveu vários oficiais militares e civis que cometeram o ato no final da Segunda Guerra Mundial, em caráter de epidemia, sem ninguém haver combinado, em face do prenúncio da derrota fragorosa que já se avizinhava e das bombas atômicas, lançadas em 6 e 9 de agosto de 1945 em Hiroshima e Nagasaki. O que forçou a rendição japonesa e os Estados Unidos transferirem o ônus do número de mortes incalculável para o Japão, ao dispensar as tropas americanas de invadir e ocupar o país por terra.
Cumulando os japoneses de vergonha e humilhação por terem sido alvos de armas atômicas pela primeira vez na História da Humanidade, que os fez se curvar tal como o faziam diante do imperador Hirohito, quando ele anunciou a rendição pelo rádio. A primeira vez que a população japonesa escutava a voz do Imperador. O que os levou a enterrar em definitivo o haraquiri, dentre outras tradições milenares igualmente sepultadas, e virar a página da História. Para evitar que o Japão se tornasse uma caricatura de si mesmo, como tantos outros impérios no passado assim que entraram em decadência.
O suicídio como um meio nobre de expiar as emoções de culpa, vexame e sentimento de inferioridade.
Fontes:
Site Wikipédia de 12/04/2021, título da matéria: ATAQUE SUICIDA.
Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ataque_suicida
Site Wikipédia de 26/04/2021, título da matéria: KAMIKAZE.
Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Kamikaze
Site Wikipédia de 03/05/2021, título da matéria: SEPPUKU.
Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Seppuku
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