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O ESTUPRADOR

O estupro é um atributo exclusivo do universo masculino. A mulher não pode violentar um macho, salvo na guerra do Iraque, quando casamentos são rompidos por e-mail, tendo em vista a distância deixá-las a perigo, obrigando-as a estuprarem o compromisso do romance que os soldados carregam para os campos de batalha.
A cada avanço inexorável da mulher o homem se abate, significando espaço perdido, declínio no poder de persuasão e embargo de uma voz que já foi ativa. Afogado no dilema de baixar a cabeça ou se reciclar. Se atualizar, se reposicionar em sua identidade, buscar um novo ponto de vista moral, senão cai no vazio, no desregramento amoral.
Como vivemos à mercê de maniqueísmos, só lhe vem à cabeça reagir à altura. Trocar por outra mulher que o compreenda e que não vá fazer uso de seus problemas íntimos para cuspi-los na sua cara quando menos esperar. Cometer o crime de passar por cima de seu cadáver e decidir o que é melhor para a relação. No lar, só um pode mandar, dois não dá certo. Não tem cabimento guardar mágoas no fundo da gaveta, para vomitá-las, como se fosse ao acaso, no momento mais crítico. Parece sessão de descarrego, uma transferência de martírio ao estilo de toma que o filho é teu.
Um beijo simples e sincero é o que deseja dela, como se ele fosse seu namorado voltando da guerra. Xô com o não-me-toques, o pudico, o saber se preservar: “Quero que você me queira”. Quem ama cuida, não explora.
O inferno está cheio de gente bem intencionada… que desistiu. Quando puseram a cabeça a prêmio ao se incompatibilizarem com o sexo feminino e se transformaram em aves de rapina, dispondo as patas sobre a impotência de presas diante da fera que não se acanha em pôr as garras em sua vítima e violentá-la. Nostálgicos de outras encarnações, vestidos na pele de lobo, faziam jus, como subproduto de conquistas, ao estupro consentido. Uma tradição na gênese do homem.
O estupro é o pior crime perpetrado contra a mulher. Quando se percorre o inconsciente coletivo do planeta, ao acaso se seleciona o Japão, que, ao ocupar a Coréia em 1910, obrigou as mulheres a satisfazerem as necessidades sexuais de seus soldados. Uma mulher é estuprada a cada hora na Índia, o que equivale a se prostituir; nos Estados Unidos, com um quarto da população indiana, o índice aumenta para dez por hora. No Sri Lanka, se aproveitam até da tsunami para salvar a vítima da onda e estuprá-la.
O estupro tem um pezinho no fascínio do homem pela profissão mais antiga do mundo.
O estuprador se comporta como um menino quando encasqueta uma idéia na cabeça e desvia para a brutalidade, pressão e coação no ser adulto. Parte da exibição de superioridade e esperteza, para, através de forças malignas, sobrepujá-la, dobrá-la perante a ereção, pô-la de quatro a pedir clemência. Transita da insanidade para a degeneração quando explora a desculpa da mulher é quem provoca, que pede para ser estuprada ao explorar sua libido de caso pensado.
Irrita-se diante das artimanhas e dos truques exibidos pela mulher para atrair suas vítimas. Perde o controle sobre si mesmo, pois não distingue amor de sedução, não valendo a pena amar de verdade, seria ingênuo. Apegado ao seu caráter monocromático, pensa que ela está brincando com seus sentimentos, não o levando a sério, infringindo seu código de honra. Deixando-o com o pé atrás e paralisado.
Somente a violência para tirá-lo do estado de apatia e livrá-lo da pecha de covarde. Impondo à mulher, através do sexo, que ela o ame, na hora que bem lhe aprouver, por vezes com dia e hora marcada para morrer, sem margem para rejeitá-lo. Para que ele seja respeitado e reconhecido como o seu dono, o dono da última palavra. O fato de ela resistir ele corresponde com maus-tratos, pois é com a submissão que alcança o orgasmo, já que pelas vias naturais não consegue ser amado, daí ter que tripudiar sobre o objeto do desejo e exercer seu poder de mais forte.
No íntimo, sabe que ela sente asco de compartilhar o leito com um anormal, punindo-a com um terreno baldio em local ermo para inseri-la em seu habitat. Insuficiente para calar a frustração que perdura como um carma, levando-o a se embrenhar na senda do crime, em busca da fama de serial killer. A justiça pelas próprias mãos para sufocar o pesadelo que o angustia.
O estuprador vive a dualidade do médico e o monstro, entre ser humano ou animal, em assumir a besta dentro de sua alma. Reafirmar-se na truculência perante a impotência no lirismo. Jamais admitiria que o gesto de carinho se transformasse numa bofetada. Tal como os bichos, atacam para se defender, um mecanismo que os resguarda de desatinos que escondem insolências e os molestam. Mordem que nem tubarões quem ousar invadir seus domínios e surfar nas suas ondas do mal.
Se já existe o Museu do Holocausto, por que não um parque temático com o percurso de estupradores e sua folha de crimes? Qual a diferença para o nazista? Serviria de alerta como nos falta um bom pedaço para a porção masculina se adequar à porção feminina.

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Antonio Carlos Gaio
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