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O FARSANTE

“Não preciso olhar no espelho, sei que nasci feio. Não vou me abater. Só tenho que me esmerar para tirar proveito e reverter o pior no melhor. Deus me fez assim para eu aprender a explorar os meus rudimentos, transformá-los em qualidades e usar de minha inteligência para agradá-la, conquistá-la e, a seus olhos, o feio parecer bonito.”
Pois se os apolos não estão nem aí para um arsenal de mulheres interessantes, loucas para construírem ninhos de amor que fariam suas mães implorarem para reencarnar, por que não se pôr a serviço delas, sem jamais fazer sombra, de modo a cair no agrado daquela que nunca foi santa? Só querem pôr seu bloco na rua, qual é o problema em tocar o trio elétrico? Se tem filhos, junte aos dela e forme uma família de responsa. Se você tá com uma mão na frente e outra atrás, não se preocupe que ela é generosa, o acolherá em sua cama. Que é que custa segurar o sono e estender a conversa madrugada adentro?
O explorador se aproveita da liberdade que a mulher usufrui e saca sem cortar seu barato. Sem afrontar suas escolhas; ao contrário, se oferecendo para dar curso a elas. Não se metendo no que não é da sua conta, apenas sugerindo quando ela der a deixa.
Sua estratégia é ter uma mulher bonita a seu lado, na certeza de que atrai outras. Jamais desanima quando ela, enfática, diante da aproximação rasteira, adianta que não se interessará por ele. Basta ser paciente e esperar ela cansar de se frustrar com garanhões que não a enxergam, que aquela areia toda caberá em seu caminhão. Só escorrega quando no assédio se comporta como um poltrão e confessa que brinca direitinho com a sua linda, na tentativa de atrair para o crime procurando aguçar seu apetite no que tem de mais carente e vazio. Mostrando que possui cacife para supri-la, seja qual for a fantasia escolhida. Basta ela vacilar.
Como a intelectual casada com um cara que bebe para ficar alto, de modo a compensar a baixa auto-estima. Sem ela não saberia o que fazer da vida, necessita de uma mulher forte, de se orgulhar do seu brilhantismo e desenvoltura em suas incursões políticas e acadêmicas, se transformar em seu cúmplice, apesar de não freqüentar seu meio. Separar-se de seu marido jamais, ele faz parte de sua caminhada até o final. Contudo, ela não esconde seus casos.
Ao se oferecer como voluntário do amor, o farsante não fará segredo de sua mais nova conquista para alardear seu sucesso e continuar em campanha, pouco se importando se difama, pois dá de ombros a relações que julga desajustadas no entender de um explorador que só se preocupa em tirar vantagem, afinal, é nessa hora que demonstrará porque nasceu feio. Não se dando conta de que é uma aberração e de que não nasceu feio, feio se tornou ao se criar caviloso e crer na obra e graça de Deus reservada a um farsante, cujo arrojo e iniciativa fariam jus a mulheres desprezadas por incompetentes e amadores. Em permanente vigília, seu farol vasculha embarcações que estão por naufragar.
Calado, não se intimida nem com toque de recolher, à espreita de mulheres em ebulição, à espera de caçadores da arca perdida. Entra calado e sai morto, estrebuchando no gozo da farsa. Com o maior cuidado para não deixar furo em casa, mede até onde se exaurir para não matar a galinha dos ovos de ouro. Se tiver que trocar de companheira, não dará um salto maior do que as pernas, tem perfeita noção de suas limitações. Se quiser continuar a ser visto como politicamente correto, o farsante não pode dar um passo em falso, sob risco de descobrirem suas artimanhas.

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Antonio Carlos Gaio
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