Todo cidadão que zerar seu patrimônio, “doando” seus bens a parentes e amigos, restando em seu poder, apenas para manter as aparências, uma mísera linha telefônica, que não quer dizer nada, está mal-intencionado em não comprometer o futuro dos seus filhos com o endividamento auferido às custas de pungar o bolso do alheio. Público ou privado.
Todo sujeitinho que pede dinheiro emprestado e se ofende com a recusa a ponto de romper as relações com o seu “doador”, é porque esteve sempre mal-intencionado na pornografia de mamar nas tetas sem fazer o mínimo esforço para subir alguns degraus. Partem do princípio que a graça divina não os alcança e o infortúnio é a tônica. Os bem-aventurados que paguem a conta.
Toda figura bem-posicionada no status da sociedade que procura pegar uma carona no seu trem, ao pressentir que irá ser ultrapassada, revela sua má intenção ao jamais considerá-lo como um igual, no mínimo, e reconhecer sua própria decadência inexorável.
Se a Eva não lhe aprouve comer a maçã de pronto, ofertando a Adão a mordida mais saborosa, foi de má intenção, porque sabia que iria dar frutos até a eternidade. Deus soprou-lhe no ouvido e assim fez a mulher.
Se uma amiga lhe avisa para se acautelar com esse galinha que te paquera e, dias mais tarde, você a vê nos braços do gajo, feliz, faceira e saltitante, é porque aí tem má intenção, acusam as mulheres em uníssono ser normal a modalidade de assédio em seu próprio reino.
Se marmanjos oferecem produtos roubados de moradores da vizinhança a seus porteiros, para que aproveitem o preço de ocasião, é sinal de má intenção na rede que fisga a todos na malha da corrupção que esculacha a quem é assaltado, seja no topo ou na base da pirâmide.
Nenhum bicho mal-intencionado pode alegar que foi ficando assim com o tempo, se sempre estão a nos cobrar uma atitude. Se a origem remonta à genética ou se adquiriu no meio da nossa selva, se é nato no meio ou inato antes do princípio do caos, somente recorrendo ao processo civilizatório nascido na sociedade grega, em que Sócrates foi alvo da má vontade com espíritos avançados que descem à Terra para fornir nosso conhecimento com verdades eternas. Que, quando originais, indispõem os homens que vestem a carapuça e atingem mortalmente preconceitos que sustentam sistemas.
A crença de Sócrates nos Espíritos mereceu-lhe zombarias, seus reparos à democracia a taxação de subversivo, e a pior ofensa que se pode dirigir a um homem de bem fez jus à condenação através de veneno. Injuriou-o pondo seu caráter em dúvida: “a virtude não pode ser ensinada. Ela vem por uma dádiva de Deus àqueles que a possuem”.
Lançar dúvidas quanto à virtude justifica lavar a honra. Ninguém suporta enlamear o bom nome de sua mãe, mesmo sendo ela responsável por esse mau-caráter filho da mãe. O pior dos bandidos pede para não ser esculachado mesmo quando condenado à prisão perpétua. O vizinho que sente vergonha de si mesmo por ver escoar seu tempo de vida e nada fazer pelo seu semelhante, exige respeito. A esposa devolvida a domicílio pelo amante, dia sim e outro também, não dá um passo sequer diante de seus filhos para desmanchar o imbróglio, porque ao marido interessa não desmanchar o patrimônio.
Todos farinha do mesmo saco, todos mal-intencionados, como o mentiroso descarado aboletado em privilégios que se declara isento, acima do bem e do mal, de não ser a favor nem contra, muito pelo contrário. Dúvida por dúvida, preferível o impasse suscitado por Luiz Edmundo em 1901, na sua memorável coleção “O Rio de Janeiro do meu tempo”. A mais perigosa de todas as bebedeiras é a que põe dentro do coração de um homem triste o favo da alegria e do prazer, há quem morra de contentamento, como quem morre de dor.
O impasse do pomo-de-adão. Sobe e desce freneticamente denunciando o que tem por engolir.
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