Eu tinha 17 anos quando matei a minha primeira barata. Foi em uma noite de sábado, quando eu estava sozinha em casa me sentindo a adolescente mais infeliz do planeta, assistindo a uma comédia romântica e me perguntando o que exatamente ele quis dizer com “não estou em um bom momento para relacionamentos afetivos”.
Enquanto eu chorava no sofá, a mocinha se debulhava na tela me fazendo sentir muito melhor, já que alguém no mundo entendia a minha dor, mesmo que só na ficção. A seqüência do filme, uma tomada externa, iluminou a minha sala e eu vi o tão temido artrópode que é capaz de sobreviver a acidentes nucleares e fazer mulheres que queimaram sutiã na década de 60 gritarem em desespero por um homem.
Percebi que tinha duas opções: ou matava o bicho, ou corria para o meu quarto e ficava sem ver o fim do filme. Diante da possibilidade de perder o surpreendente final quando a mocinha beijaria o mocinho ao som de uma música da Natalie Cole, optei pelo confronto direto. Juntei toda a minha coragem, concentrei a raiva que estava sentindo pelo rapaz do “não é você, sou eu” e decidi ir à luta. Claro, não sem antes calçar meias compridas e botas.
Depois que você mata a primeira barata, as outras que vêm são fichinha. E assim me tornei uma mulher destemida, que não tem medo de barata. A minha coragem, aliás, cresceu ao ponto de conseguir matar lacraias, escorpiões, piolhos-de-cobra, ou qualquer um destes visitantes indesejados que insistem em entrar nas casas de moças indefesas vez ou outra.
Outro dia, tomando uma cerveja com uma amiga em um copo-sujo de esquina, vi a cara da minha companheira se contorcer de repente. Em seguida, todo o seu corpo acompanhou o rosto e o pavor que tinha tomado conta dela impedia qualquer movimento labial. Perguntei diversas vezes o que estava acontecendo, com medo de ela estar sofrendo um pequeno derrame e, quando ela conseguiu articular qualquer coisa, ouvi duas palavras: “uma barata”.
Assumindo uma pose de Mulher Maravilha, levantei de uma vez, olhei para a minha amiga e, com uma voz confiante, ordenei para que ela não se afligisse. Olhei tudo ao meu redor em busca do inimigo e vi que o garçom do bar, um rapaz muito simpático, se aproximava. Ele, com um ar de Super-Homem, chegou correndo com a sua vassoura para salvar as donzelas em perigo e também a reputação do seu bar, que, apesar de copo-sujo, é muito limpinho. Fiquei em posição de ataque, supondo que formaríamos uma Liga da Justiça, até que o garçom fez um gesto pedindo que me afastasse, como quem diz “eu cuido disso”.
A barata correu para um lado. Correu para o outro. Correu pela vida. Em dado momento, depois de várias tentativas frustradas, o Super-Homem, que a esta hora estava mais para Chapolin Colorado, decidiu tomar fôlego. Enquanto ele examinava o terreno e elaborava uma estratégia, a barata passou pertinho da minha mesa e, com um movimento certeiro, aniquilei a ameaça com o meu pé esquerdo.
A platéia, que a esta hora já era maior do que somente a minha amiga e o dono do bar, aplaudiu em êxtase e, enquanto eu colhia os louros da vitória, vi de relance o rosto do pobre garçom. Se eu tivesse tirado uma peixeira da bolsa e cortado fora as suas vergonhas, teria abalado de forma menos agressiva a sua masculinidade. O rapaz, completamente envergonhado, recolheu-se para o fundo do balcão de onde não saiu mais enquanto estive ali.
Foi então que eu tive uma revelação: se, na década de sessenta, as mulheres tivessem começado a matar baratas ao invés de queimar sutiãs, provavelmente teriam sido mais bem sucedidas e, mais importante, ajudariam a deixar a cidade mais limpa e gastariam muito menos dinheiro com roupa íntima.
Gabriela Mudado
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