O deserto constitui um lugar de passagem. Uma travessia que, aparentemente, parte do nada e o leva a lugar nenhum.
Duro de atravessar, assemelhando-se a um calvário, por ser doloroso e sofrido, retratado nas rugas que sulcam o rosto, a transparecer caminhos sem fim, dos que enfrentam o deserto. Como se não bastasse o calor tórrido de dia que nos põe em contato com o inferno, para, de noite, enregelar com o intuito de nos ensinar a lidar com os altos e baixos de uma cruzada sem fim, que, na verdade, é a vida. O que nos remete ao medo de afundar na areia e ali sermos sepultados em meio a escorpiões que nos picam para alertar que não podemos confiar em ninguém.
Em suma, no deserto, você está rigorosamente sozinho à mercê da aridez do clima e de condições inóspitas que, aparentemente, tornam difícil a sobrevivência. Induzido pela areia que lembra um mundo em dissolução – se o que era sólido, virou pó.
Sozinho, não fora as miragens que rodam o filme da água em cascata, potável e fresca, em plena imensidão desértica sob ventos abrasadores, nas quais acreditamos logo que as vemos. Até que se rompa a ilusão trazida pela sede, desvanecendo-se no horizonte. Então, em quem podemos confiar nessas circunstâncias?
Circunstâncias que não são muito diferentes de outras com que nos defrontamos.
O deserto sempre nos conduz para os nossos desertos interiores, onde reina o silêncio, por vezes mal compreendido por nós. Igualmente árduo e penoso atravessar esses desertos. Por só conseguirmos travar contato com a materialidade do mundo, restritos a nós mesmos e às nossas memórias, quando procuramos vencê-los. Encaramos as manifestações espirituais ao longo do percurso como pura miragem – obra do fortuito destino ou mera coincidência. Não atinamos para os sinais que delas advêm como suporte para demonstrar que não estamos sozinhos nesse mundo de Deus e à mercê de nossa própria sorte.
Por isso, cada pessoa tem o seu próprio deserto por atravessar. Onde será necessário distinguir dentre mais e mais miragens, separando os véus que deixam nossa visão embaçada, quem avança em nossa direção, se merece confiança ou não para consumar alianças, estabelecer crédito e adquirir sabedoria em cada trecho, por menos importante que seja, aparentemente.
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