Tudo o mais no casamento pode ser transitório, obrigando ao desejo sofrer mutações na abordagem e nas preferências para evitar o sexo entre irmãozinhos ou a paz colocada em evidência de modo a contornar os confrontos e as incompatibilidades, mesmo porque as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar.
Quando se sabe que os prazeres do sexo se esgotam rapidamente, na sequência do gozo. Em seu favor, no máximo, um sono reparador e relaxante. Muito embora, quando a loucura se apossa dos amantes, o sexo transpareça interminável de modo a se renovar diariamente, como bem demonstrou o filme “O Império dos Sentidos”, baseado em fatos reais ocorridos em 1936. A ponto de ter sido necessário ao casal que ela cortasse o pênis dele na tentativa de suprimir o desejo antropofágico de ambos.
Todavia, se o sexo morrer à míngua e não mais oferecer bons espetáculos na cama, o amor perde seu principal porta-voz. Não vai mais poder falar através de seu canal de comunicação. Salvo se a magia da palavra ressuscitá-lo com uma longa conversa ou ao menos durar mil e uma noites, em que Sherazade se manteve viva contando fábulas maravilhosas que captavam a curiosidade do sultão que, enlouquecido por haver sido traído por sua primeira esposa, escolhia uma virgem todas as noites e a fazia sua mulher, mandando matá-la na manhã seguinte. Sherazade consegue escapar a esse destino, noite após noite, ao fim das quais o sultão se arrependeu de sua vingança e desistiu de executá-la.
Se o sultão se calou diante de Sherazade foi porque suas palavras soaram como música e conquistaram o coração do todo-poderoso. A música na arte de conversar pode ressuscitar o amor combalido e reverter vinganças. Há as carícias que se fazem no corpo e há os carinhos com palavras que afagam o ego descrente de reconciliações com o seu destino. É na conversa que a nossa verdadeira expressão corporal assoma. Não em sua nudez anatômica, mas em seu desnudamento poético. Na arte de conversar, não existe adversário a ser enfrentado porque não há ninguém por vencer ou derrubar. Ou os dois ganham ou ninguém ganha, para que os dois ganhem. O reconhecimento do erro de um não pode implicar na vitória do outro, quando dito: “Viu, eu não te disse? Bem que eu avisei! Quem mandou não me ouvir?”.
Contudo, a arte de conversar não tem nada a ver com a arte de o homem passar uma cantada para conquistar o objeto de seu desejo, nem ficar de conversê para fisgá-la como a um peixe, fruto de um ato premeditado e ardiloso para ver se ela cai em sua teia de aranha. A arte de conversar é a arte de um penetrar na intimidade do outro sem que ambos se sintam invadidos ou sequestrados pela vontade de quem predominar ou mesmo corrompidos por um incontido impulso em se acanalharem e se entregarem ao cio vagabundo. Vencer esses condicionamentos soa possível apenas em mundos alienígenas pelo que a arte de conversar exige uma incursão ao desconhecido caráter de ambos que, uma vez explorados, receia-se os medos, as frustrações e os carmas de outras vidas que daí possam ser expelidos. Tirando o prazer, melando a espontaneidade e o culto à pureza do amor mitificado. E ratificando a insustentável leveza do ser, anunciada por Milan Kundera em 1984, por aproximar o vínculo afetivo do fardo e não ver com bons olhos o amor sob o teto da liberdade descompromissada. Quando a arte de conversar visa a lançar luzes sobre a opressão do engajamento a qualquer relação que se constrói.
Um Comentário para A ARTE DE CONVERSAR