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A ARTE DE SABER LIDAR COM AS DECEPÇÕES

O grande desafio da arte é saber lidar com os riscos de suas escolhas e decepções que costumam vir no seu rastro.
Não se discute nem se deve prosseguir em sua caminhada. Se nela acredita baseado no que vislumbrou em seu horizonte. Mesmo se não acompanhado por seus pares ou pelos que o visitam e travam conhecimento com sua arte e torcem o nariz. Pouco adianta blasfemar contra aqueles que não dialogam com o bom gosto.
Se as portas estão fechadas para aquilo com que sonha. Ou se ainda não é seu tempo para acontecer. Se ninguém lhe diz o que pensa a seu respeito e nem mesmo fustiga uma ideia para temperar sua ansiedade. São tantos os artistas e literatos reconhecidos somente depois que morrem, indignando quem nasceu posteriormente e que logo compreendeu a iluminação crescente nos quadros consequentes ao Renascimento e antecedendo a era do Iluminismo.
Tantos, por desespero, tentaram suicidar sua obra, como Kafka. Outros quiseram dar cabo de si mesmos por não acreditarem que sua obra servia para alguma coisa. Outros imaginavam subir ao pódio, não se contentando com a concessão da graça em vender muito. Ou clamando justiça se comparando a rivais, que não conseguiam ver tanto valor para atrair uma variedade espantosa de adeptos. Sem contar os que não se acabrunham em declarar que “só eu me entendo!”.
“Quem sai na chuva é para se molhar” é a justificativa irritante para engolir em seco a decepção, pois o amargo da expectativa frustrada fica entranhado na mente e no corpo, não se admitindo que faz parte das regras do jogo.
Restando a autoindagação de “quem você pensa que é” ou “quem se julga ser” na pretensão de transitar para “sabe com quem você está falando”, se a fama o alcançou. Este é o cerne da questão, do zé-ninguém oscilar para a vaidade e orgulho consigo mesmo. Perder a humildade, se é que a possuía, para abocanhar a autossuficiência.
Se ascensão e queda são próprias de um império ou civilização e o ser humano é sua versão minimalista, fatal que os dotados de talento também colham decepções em consequência dos excessos do auge e iniciem sua descida em direção ao reino dos comuns, se o despautério passar dos limites e o quiserem sepultar na decadência.
Resume-se, portanto, a saber lidar com as decepções com que a arte apronta em suas armadilhas, seja a caminho do cume ou a reproduzir o mito de Sísifo, seja por conta de não saber absorver tudo o que lhe foi ofertado, desenrolado o tapete vermelho para o artista receber seus prêmios justos, e não atinar que não é possível permanecer na crista da onda indefinidamente. Uma hora ela terá de quebrar. Com você sendo enrolado pela onda e arrastado para o fundo do mar sem mais ar para respirar, assim se despedindo de um mundo que sonhou controlar. Ou, ao se aperceber do iminente perigo no qual a onda não é um desafio e sim uma armadilha, desiste de surfar e procura águas mansas. Significativo de sabedoria e não de acomodação.
Filosofia que serve não só para a arte. A contornar decepções que podem assomar o tamanho de um pesadelo sem fim.

Antonio Carlos Gaio:
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