Ninguém pode alcançar o âmago de seu espírito. Não espere por isso, volte-se para si e investigue se as raízes se emaranham ou se estendem até o ponto mais profundo do seu coração. Pergunte a si mesmo, na hora mais silenciosa da madrugada, se morreria ao ser proibido de escrever crônicas. Apenas a título de exemplo.
Desenterre uma resposta que valha a pena, mesmo que esteja numa prisão. Para o Criador, não existe nenhum ambiente a ser desconsiderado, ou que, isolada sua voz, sua alma emudeça. Há um tesouro de recordações, considerandos e mumunhas por explorar. Posto a caminho, sua solidão tornar-se-á um refúgio à meia-luz e sua personalidade encorpará, como um vinho que desce redondo, feliz por estar sendo apreciado.
E se, dessa viagem para dentro de si, resultarem crônicas de sua vida que espelhem o estado crônico do homem que sofre com a evolução da mulher, justamente porque não consegue acompanhá-la, aí você se detém. Na crônica expectativa em despertar o interesse de paquidermes movidos à luxúria do poder de comunicação e dos atos corruptos que a sociedade perpetra.
Quando não deve parar, por surgir de uma necessidade, como um médico que nasce para verter a cura em otimismo. É a voz de sua vida, exigindo que os estertores crônicos parem de impedir que o sonho se torne realidade, justamente por não aceitá-la tal como é, sem interpretá-la. Sem necessidade de explicá-la, pois o criador tem um mundo para si mesmo, lá encontrando a natureza das coisas, tamanha a aproximação que o exame da consciência possibilita.
Não há nada pior do que atrapalhar esse desenvolvimento ao debruçar seu olhar em algo além do horizonte e esperar que venha de fora uma orientação, quiçá o caminho das pedras para satisfazer seu foro íntimo. Sem se dar conta de que o espírito livre arbitra na mais completa solidão das conseqüências de seus atos.
A saída para esses crônicos momentos é a ironia. Se usada com criatividade, alivia a culpa no emprego abusivo da malícia. Também não é preciso se envergonhar, basta saber que a ironia disfarça a pureza d’alma para não chegar em águas mais profundas. Mas se perceber um brilho incomum no alto do morro, a ponto de desviá-lo de sua rota, é porque corresponde a uma necessidade de seu ser. A ironia aí ganhará seu crédito, por lhe pertencer, ser algo inato. Munido de arco e flecha, irá lançar crônicas versando a arte da vida que, de tão cruel, a prosa se tornará crônica.
Tudo reside em deixar amadurecer, para dar à luz ao que existe de mais sagrado em você, resguardando seu amor-próprio de víboras que arquitetam seu destino crônico. Através de impressões crônicas, semeie um campo fértil na escuridão do inconsciente e atinja a razão por acreditar sempre no que tem a dizer, pois é fruto da evolução natural de seu espírito que o levará a outros conhecimentos. Até para corrigir erros crônicos, como o do jornalista que se escuda no desabafo pessoal e choroso que só interessa às galinhas do vizinho. Como o de dar muita importância a reparos inconvenientes, observações descabidas, críticas extemporâneas, análises em gênero, número e grau com o intuito de anular esse seu criado. Parcialidades que revelam nos destituídos de caráter a rigidez precocemente cadavérica, quando não burilam as palavras para escamotear sua visão camaleônica a respeito da vítima, mal se apercebendo do câncer crônico que corrói a sua mente.
A busca se torna crônica, pois sempre nos deparamos com um ponto inalcançável, até para o nosso próprio entendimento. O que desanima. Contudo, não calcule o tempo por esgotar-se. Basta esperar com humildade e paciência, como se estivesse diante da eternidade, com a serenidade aplacando os ânimos da ansiedade. A inspiração virá, apesar de tudo.
Difícil, já que impulsos primitivos obrigam-no a jorrar sua energia, sem pé nem cabeça, em ritmo desproporcional ao padrão zen de qualidade. Pode transparecer brincar com a verdade ou com veleidades de bruxo, quando necessita ficar imerso na crônica da inconsciência que desabilita o que tem de melhor em suas reservas morais, até para afastar a inocência e integridade, a fim de combater o que o homem deformou e sobrecarregou o amor. Abrindo a possibilidade de também tornar-se selvagem e enraivecido, porque vem das entranhas a crônica paixão a que se entrega ao lutar pelo que acredita. Não pode ser uma mera febre e deve ecoar como em Paris, onde a inspiração reverbera no céu habitualmente cinzento.
Uma frustração. Jamais o homem terá satisfeito a saraivada de dúvidas que invade seu céu como uma chuva de meteoros. Tropeçamos nas palavras, ao não conseguirmos expressá-las com leveza, despidas da dramaticidade que usualmente acompanha as interrogações. Se ao menos nutríssemos amor pelas próprias perguntas, uma bela maneira de se provar que se ama a quem se duvida. Quanta galanteria, a invocar milhares de noites de amor esquecidas que se entrelaçam e revivem numa crônica poesia, com ar de volúpia que lhe água a boca e desponta como uma lança à procura do óvulo, receptivo, que o aguarda. Nas profundezas, o deleite, o segredo da contínua e grandiosa confirmação, mil vezes repetido o gozo indescritivelmente belo que renova o mundo.
Ajuda a suportar a dor visceralmente crônica dos que se distanciaram de ti. Ao menos aumentou o espaço à sua volta, para que houvesse seu crescimento, reconheça isso. Bem como não perturbe quem ficou para trás, poderiam não entender sua autoconfiança e alegria, se lembrança da infância ou suculento futuro. Não perca tempo em explicar qual é o seu posicionamento diante da crônica dos fatos e das contradições, o aprendizado é um longo período de exclusão cuja entrega a todo tipo de comunhão implica em não mais se atirar e derramar por sobre outros à guisa de amar.
Considere uma doença crônica o desgoverno e a confusão postos a serviço de fazê-lo perder o eixo na vida, como um mal necessário para libertar o espírito de entidades nocivas ao seu crescimento. Sendo essencial, portanto, ficar doente e assumir a doença, e o problema aparecer como uma chance de ouro para fazermos o que de melhor. Por sermos heróis da nossa própria história, urge descobrir alguma coisa no vazio, arregaçando as mangas para realizar o que nos foi destinado e não passar pela vida em branco. A imaginação é mais importante que o conhecimento e, um dia, tudo que está oculto será descoberto, no tempo necessário de se preparar a aceitação.
O curso natural para aflorar a quietude, se pacientes e receptivos formos, quanto mais firmes deixarmos uma nova realidade entrar em nós e se converter em nosso destino. Como a Lua, que nos mostra sempre uma face nova a cada sete dias, e nunca morre.
Como não morreu Nelson Rodrigues e a “Vida como ela é”, crônica que marcou época no jornalismo, projetando o Brasil no subúrbio carioca, e virou teatro, literatura, antropologia e psicologia de botequim. Cujo espírito sobreviveu, com maior força do que quando ainda estava encarnado, enquanto opositores faleceram no anonimato com formiga na boca ou, como quinta-coluna, reformulando seu espírito crítico para se adequar à nova realidade. Eis o destino que se nos reservam.
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