Rebelamo-nos inconformados contra a acepção de todos sermos o eu dividido com vários sentidos e de acordo com cada contexto. Por necessitarmos focar, ter um objetivo e concentrar nossos esforços a respeito do desejo para alcançar o que almejamos. Senão nos desesperamos e ficamos totalmente perdidos. Visto que enfeixar a multiplicidade na capacidade de amar pode vir a nos enlouquecer e tornar-nos inadaptados para onde a sociedade, querendo nós ou não, nos direciona: a unidade do casal macho e fêmea. Mesmo que isso tenha de passar obrigatoriamente pela procriação e pela reprodução da espécie. Mesmo que a mulher seja o homem e o homem seja a mulher. Até mesmo no universo gay esses personagens se manifestam. À procura de definir qual o seu papel na relação afetiva, a incessante busca pela convergência.
Contudo, a negação de sermos bivalentes (verdadeiros ou falsos) e bissexuais (nossa sexualidade não é cem por cento definida) implica em contrário senso num exclusivismo que descamba para a possessividade, quando não o ciúme doentio. O cotejo dessas forças profundamente antagônicas nos obriga a procurar o equilíbrio para evitar que essa verdadeira briga de foice entre o bem e o mal acabe por nos internar no hospício.
Dando margem ao homem proclamar que o pior cego é a mulher que não quer admitir ser muito amada só porque exige, em contrapartida, um perfeito encaixe nos papéis tradicionais, uma fidelidade a toda prova e o respeito formal a todos os disparates a serem ditos por ela durante a convivência. Só porque não definida a escolha de Sofia: “ou eu ou elas” e arrancada a certeza de que não será abandonada. Inflexível em não aceitar que o idioma falado no amor dê margem a filosofias inconsequentes – filosofia de botequim ou alta filosofia é tudo a mesma titica. Não abrindo mão do pão, pão, queijo, queijo, da tábula rasa, de não permitir sair pela tangente.
Culminando por afogar a paixão. Matando na fonte o que se prenunciou sublime. Impondo um arremedo de código de conduta que lanceta a inspiração. Quando dualidade, bipolaridade e ambiguidade fazem parte de nossa anima e integram o contexto da vida, o que não quer dizer que sirvam de álibi em defesa da infidelidade.