Desaparecido por dez dias, em março de 2016, o corpo de Rian Brito, de 25 anos, neto do célebre comediante Chico Anysio, foi encontrado encalhado na areia da Praia das Flecheiras, no Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, em Quissamã, no Norte fluminense. A areia parece movediça quando se ingressa nas praias da redondeza, e logo se afunda ao não dar mais pé. Vestido com a bermuda que usava quando saiu de casa, o rapaz ainda mantinha, apesar das ondas violentas do mar da região, um cordão e uma pulseira que ajudaram a identificá-lo. A 25 km do local onde Rian havia deixado um par de chinelos, camisa e documentos, tudo metodicamente arrumado como ele costumava fazer na infância ao tomar banho de mar com a mãe. Antes do anúncio da descoberta do corpo de seu filho, ela teve uma visão com ele se despedindo dela.
Músico autodidata, o sangue artístico da família corria nas veias, mas Rian fugia da fama do clã, coisa que não o atraía. Cresceu como um menino tímido, introspectivo, quieto e de poucas palavras, sem nunca falar de sua vida pessoal. Era de outra onda, gostava de se isolar para meditar, praticava yoga, era vegetariano, amante da natureza.
O sorriso largo e a expressão serena nunca revelariam que um dia ele poderia vir a arquitetar o seu próprio fim. O suicídio se reveste de um componente traiçoeiro, imprevisto e avassalador, que um dia pode alcançar alguém que você ama e de quem jamais suspeitou que cometeria esse atentado contra si mesmo, vitimando a família que se obriga ao casulo, ao encarceramento do núcleo de onde se originou.
É bem mais fácil encaminhar o caso e as consequentes excentricidades ao Santo Daime. Ingerindo ayahuasca foi ficando sério, deixando de sorrir e de se exercer como músico, se isolando e recusando-se a voltar para a realidade, como se estivesse em transe espiritual. Não lhe restando outra alternativa senão escapar para bem longe, onde não pudesse ser localizado.
Não aceitou o que lhe havia sido destinado. Se não lidava bem com a projeção de sua imagem. Queria ser anônimo, desconhecido e não atrair atenções para si. De preferência, num lugar que não existisse no planeta.
Se lhe coubesse escolher, teria nascido em outro meio. Não sujeito à obrigação de ser famoso como o avô, o maior e mais duradouro humorista brasileiro de todos os tempos. De se destacar e não poder ser feliz dentro de uma existência em que teria de se descobrir como ser humano. Ou encarnar em outro corpo e alma. Com outra identidade, provavelmente com opção sexual diferente, numa escala de amor e de sensibilidade difícil de ser encontrada nesse imenso deserto em que estão transformando nosso planeta.
Rian fugiu de nós, do horror que representamos em face da injustiça social e da miséria predominantes. Da decadência em que nos chafurdamos norteados pelo nosso egoísmo. Da catástrofe anunciada. É verdade que não tinha o direito de nos abandonar, pois havia que se defrontar com uma trajetória inusitada, até como paradigma para as gerações seguintes. Mesmo porque consequências advirão – não é permitido retirar-se da festa antes do tempo. A festa da celebração da vida.