Com a chegada do reality show e da sociedade de espetáculo, estão confundindo os canais do afeto e trazendo prejuízos aos relacionamentos. Será que a previsão do Hino à Bandeira em que “recebe o afeto que se encerra em nosso peito juvenil” não irá se confirmar? As pessoas estão perdendo a capacidade de transmitir afeto? A virtualidade tornou os homens e mulheres menos seletivos e mais expositivos, preocupados com o espetaculoso e distante das questões humanas? Homens e mulheres procuram se comportar como supostos artistas diante do avanço do Facebook, oferecendo-se como objeto de desejo de outrem, à cata de encaixar o nariz de um no buzanfã da outra.
Perdemos o rumo das coisas e nos movemos como baratas tontas, atingidos pelo spray do inseticida. Pior do que perder a verdadeira arte de fazer as coisas é perder a noção das coisas, embicando na seguinte questão: em quem iremos nos converter? Se é tudo suposto. Suposto amor. Suposto relacionamento. Suposto entendimento. Suposta afinidade. Suposta troca. O grilante é perdermos contato com o romantismo. Metabolizar a desumanidade que campeia nos espaços urbanoides e arriscar em quem se aproxima sem mais se autopreservar, pois restar sozinho é o pior dos infernos. Nem que tenha de ser artista e contracenar na vida real. Se no desempenho sair-se bem, vão te adorar!
Ninguém mais se importa se você falsifica o seu papel real. Se doura a pílula ou exagera no drama, quem irá notar? Se desconhecemos o que se passa no entorno de nossa realidade. Se diariamente um turbilhão de acontecimentos atropela nossa rotina através da mídia e pasteuriza nosso cotidiano, parecendo tudo ficar igual.
Não podemos transparecer o que somos realmente já que o ser humano, via de regra, não suporta o peso da realidade. Nada pode ser dito de chofre, senão magoa. Não aguenta ver o que não enxerga, se for para ameaçá-lo. A sinceridade agride: não se pode dizer o que se pensa – passa por malcriado e invasor da privacidade alheia. Só desenvolvendo seus dotes artísticos para driblar os inconvenientes. Quando o sujeito se torna uma caricatura de si mesmo. E se transforma no que nunca sonhou ser: um mau-caráter diante da inviabilidade da vida não lhe deixar outra saída. E passa a viver um papel do que incorporou como seu real. Pouco importa se tinha antecedentes ou não. Quer ser enterrado assim, e com muito orgulho. Para que encarnar sua essência se é mais divertido protagonizar um homem mau ou gostoso ou esperto ou que dilacera almas? Se isso confere poder e a transgressão aumenta o prazer. Consequências? Só existe no dicionário dos covardes.
Sabe que vão censurar seu proceder, voltado para humilhar, mas não faz mal. Perdão foi feito para a gente pedir e atire a primeira pedra quem nunca reagiu em legítima defesa contra os efeitos daninhos do amor. Para que mostrar o que vai dentro se não irão entender o labirinto em que se tornou o emaranhado de ideias com o inconsciente a todo transe se manifestando obsessivamente no espírito das coisas? Preferível ficar por fora! Se não na superficialidade das coisas, decerto no espetaculoso do reality show com que tentam forjar a vida, numa suposta animação e frisson com que badalam noite e dia em meio a atrações que preenchem seus espaços vazios. Para camuflar o que têm de pior: o total descrédito pelo que um dia possam realizar. Pois optarão sempre por maquiar em vez de abandonar a carcaça velha. Até morrerem de inanição.
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