A sexualidade da mulher madura, antigamente chamada de “velha”, ou que passou do ponto, ou que não mais inspira desejo, até porque desistiu do amor ou foi discriminada. Retratada em filmes lançados no Festival de Berlim – 2022, como “Good luck to you, Leo Grande” da cineasta australiana Sophia Hyde e “AEIOU – A quick alphabet of love” da alemã Nicolette Krebitz.
Quase todo ambientado num quarto de hotel, “Good luck” é sobre uma professora de religião que, anos depois da morte do marido, resolve alugar um quarto de hotel e contratar os serviços de um michê por uma noite, bem mais jovem do que ela. Na medida em que a curiosidade venceu o estranhamento inicial entre os dois, a atriz Emma Thompson, no papel da viúva, confessa que sempre seguiu as regras do casamento, mas nunca teve um orgasmo com o marido, a quem jamais traiu. E que, chegada aos 62 anos, era hora de recuperar os prazeres sexuais desperdiçados e avançar no território desconhecido de seu apetite inexplorado.
Não mais fingir orgasmos. Encorajar-se a falar sobre o seu próprio corpo. Emma Thompson observa o seu diante de um espelho. Uma cena muito difícil de atuar porque “é um enorme desafio olhar-se sem fazer qualquer julgamento estético ou sem pensar em tentar mudar algo em seu corpo, se vivemos imersos numa cultura em que somos ensinadas a nos odiarmos, e a odiar os nossos corpos”, assinala a diretora Sophia Hyde.
A britânica Emma Thompson acrescenta que, em seu país, não é considerado importante que mulheres tenham prazer. “Ainda temos que lutar contra o nosso puritanismo e nos autoquestionar se já tivemos algum prazer de verdade. O prazer feminino nunca esteve no topo da lista do que o mundo elege como prioridade”.
“AEIOU – A quick alphabet” consegue estender o tema do desejo na maturidade feminina para um terreno ainda mais minado: a relação com homens mais jovens. Nicolette Krebitz acompanha a crescente intensidade do relacionamento entre uma solitária diva do teatro, que hoje carrega a pecha de “difícil” e “doida”, e um rapaz de 17 anos com problemas de ajustamento social. Ela trabalha por entre as regras da sociedade que condena esse tipo de relação e presta uma homenagem àquelas negligenciadas por uma indústria sempre em busca de sangue novo.
Ambos os filmes colocam em xeque o sexo na vida privada, forçado a se comportar de forma autêntica se inexistem espectadores, em confronto com o sexo veiculado nos cinemas, quando é filmado cercado de cinegrafistas, iluminadores, assistentes e outros. Muito mais simples se livre do roteiro de sua vida.