Você já ouviu falar da síndrome do legume? Não, não se trata de uma doença rara causada por alimentos infectados. Esse é o nome que eu uso para designar um comportamento tipicamente infantil, repetido por muita gente durante outras fases da vida. É aquele velho diálogo entre a mãe e seu filho:
Come o chuchu, fulaninho.
– Não.
– Você precisa comer legumes para crescer forte, meu filho.
– Eu não gosto de legumes.
– Ah, é? E desde quando você comeu algum legume na sua vida, fulano?
– Desde nunca. Mas eu não gosto de legume.
Ok, não precisa se envergonhar por já ter tido esse tipo de diálogo com sua mãe algum dia. Ter essa atitude durante a infância não faz de você um portador da síndrome do legume. Isso acontece com quem repete o comportamento pela vida afora. Como aquela beltrana, a quem a sicrana convidou para ir ao cinema, num determinado dia:
– Vamos assistir a esse filme aqui, ó. É uma fábula francesa sobre…
– Eu não gosto de filmes franceses.
– Ah, tá… Não sabia. Mas qual filme francês você já assistiu?
O mesmo acontece no campo da literatura:
– Amiga, estou lendo um livro do Érico Veríssimo que você vai amar!
– Ah, não, não… Eu não gosto de literatura nacional.
– Como assim, não gosta? Que autores brasileiros você já leu?
– Aqueles livros da escola, ora bolas! São todos muito chatos…
E a coisa vai piorando…
– Cara, preciso te mostrar uma música irada. É de um compositor novo. Um sambinha contagiante!
– Que isso, mané? Tá me estranhando? Desde quando existe samba que preste?
Bom, nem preciso dizer que o amigo do mané nunca ouviu um samba na vida dele, não é? A essa altura, acho que você já entendeu como funcionam esses diálogos. E eu quero que fique claro que não estou aqui pra condenar ninguém. Afinal, tudo isso poderia se tratar apenas de preconceitos bobos, inocentes. Os fulanos, beltranas e manés têm todo o direito do mundo de não quererem conhecer os legumes da vida e viverem suas pacatas vidinhas com medo do desconhecido.
O problema é que essa síndrome não pára por aí. E fica perigosa quando sai do campo dos gostos superficiais e passa pro campo do gostar ou não de pessoas. Que se transforma em acreditar ou não em pessoas, votar ou não em alguém…
É o cara que diz:
– Não respeito quem mora na Barra.
– Não levo a sério quem gosta de funk.
– Não perco meu tempo com vegetarianos.
– Não discuto com quem vota em tucanos.
– Não dou o meu voto para um negro.
– Não faço amizades com gays.
– Não namoro mulheres fáceis.
– Não contrato mulheres com filhos.
– Não quero minha filha saindo com pobre.
São tantos os “nãos” que eu fico até com medo de ter esquecido algum importante. Eu, por exemplo, convivo com tantos desses infectados… Quer saber? Não vou mais remar contra a maré. Também tenho o meu “não”. A partir de agora, está decidido: quero distância de quem tem síndrome do legume.