A KGB surgia no cenário da Guerra Fria que dividiu a Europa em dois blocos, de um lado, as forças da OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte -, criada em 1949. Do outro, Moscou tratou de unir os países-satélites no Pacto de Varsóvia em 1955. A KGB passou a operar dentro dos aparelhos de Estado e dos serviços secretos desses países, no controle de informações na imprensa e nas associações de trabalhadores, uma sombra onipresente em todas as ramificações da sociedade. Sua maior proeza, erguer o Muro de Berlim em 1961.
Havia agentes espalhados por todos os países do mundo, fosse qual fosse sua importância, bem como nas principais corporações americanas. Se a URSS não tivesse roubado da Inglaterra o segredo da bomba-atômica, não teria conseguido detoná-la em 1949, o que impediu os Estados Unidos de usá-la na guerra da Coréia. O serviço secreto soviético se valia de meios inconfessáveis para ganhar tempo na Guerra Fria, uma competição acirrada entre dois sistemas que não podiam coexistir. O medo é o melhor meio de dominar o inimigo, acreditavam.
Em 1956, Nikita Kruchev, como o novo homem forte do regime, choca o mundo comunista e surpreende o mundo capitalista ao denunciar os abusos da era stalinista em pleno Congresso do Partido, condenando publicamente o dogmatismo, o extermínio dos adversários que causaram tremendo mal à causa socialista, e o culto à personalidade. Stalin, de endeusado a bode expiatório. Inicia o processo de desestalinização do regime, almejando que olhassem o comunismo com outros óculos, na medida que a confissão implicava na renúncia às formas brutais de repressão, e abria uma passarela para que pudessem desfilar todas as maravilhas criadas pelo brilhantismo intelectual dos comunistas. A ênfase agora é a de melhorar o padrão de vida, apenas visível e aceito se traduzido em abundância de bens de consumo na sala de visita e cozinha da célula familiar.
Boa parte do sucesso econômico da URSS deveu-se a uma sólida base em pesquisas científicas e tecnológicas, milhões de pesquisadores em estudos avançados em milhares de laboratórios experimentais, de Moscou à Sibéria, atraíram a juventude para a ciência. Em 1957, experimenta com êxito um míssil balístico intercontinental e lança o Sputnik, o primeiro satélite artificial da Terra. Imediatamente seguido por outro, a primeira vida no espaço, a cadela Laika. Em 1959, a primeira alunissagem não tripulada. Em 1961, o primeiro vôo orbital em torno da Terra tripulado, Yuri Gagarin ganhara o duelo, o herói puxara a arma antes e atingira o orgulho americano. Em 1965, o primeiro passeio no espaço sideral. O físico Sakharov desenvolve a produção de energia nuclear em condições seguras e descortina um futuro mirabolante no campo energético e da saúde, ao tempo que a tecnologia a laser avança.
Comunista que se preze, é dialético, refuta veementemente o que afirmara no minuto anterior. Os anos Kruchev foram plenos de contradições, interviu-se na Hungria (1956) ao mesmo tempo em que se esfriou as relações com a China, sendo-lhe cortado o fornecimento de petróleo quando Mao Tsé-tung se irritou diante do seu namoro com os tigres capitalistas. Era uma no cravo, outra na ferradura. O comunismo se espraiava pela Ásia (Coréia, Vietnã), África (Angola, Moçambique), Oriente Médio (Iêmen) e Cuba, transformando a América Central num barril de pólvora. No entanto, na crise dos mísseis em Cuba, os soviéticos puseram as barbas de Fidel de molho, ao recuarem diante da ameaça da guerra nuclear, removendo a base.
Ao pretender ser um ideólogo do jaez de Lenin, Kruchev quis purgar a culpa de incontáveis comunistas do mundo inteiro de que a União Soviética seria outra sob a inspiração leninista. Revelaria uma imagem dissociada do terror, assim reza o devaneio irrefreável condicionado ao “se”. Uma chance perdida em humanizar o sonho do igualitarismo.
É bem verdade que o comunismo fulminara com essa ladainha de berço na evolução educacional dos jovens, ao arrastar os princípios revolucionários comunistas para a história oficial a ser contada. Mas não se pode minimizar as diferenças na formação de Lenin e seus afins, se confrontada com o forno que moldou Stalin. E Kruchev, cujo brilhareco maior foi parodiar Charles Chaplin no filme Em Busca do Ouro, estilizando a cena da dança dos sapatos, ao tamborilar com os seus grosseiramente na mesa, em plena ONU, a pretexto de opor-se à ordem internacional e chocar a burguesia.
De qualquer modo, se berço é elitismo ou não, Lenin era um intelectual a serviço de uma causa. Stalin era um burocrata a serviço do proletariado. O mito versus a concretude do realismo soviético em ter que implantar a célula mater de uma ideologia que extinguia a propriedade privada, o lucro, os juros, a Igreja e os privilégios que perpetuavam as desigualdades. Proletarizar a sociedade e eliminar a aristocracia que gera o doce charme da burguesia, responsável por uma canhestra visão de querer ser dono de si para alcançar o dono de tudo.
Uma tarefa, portanto, para Deus. Como Stalin era ateu e agnóstico, tarefa à altura de um czar, caráter predominante na ecologia política da Rússia. Como no antigo império, a nação governada por uma elite autocrática.
Em 1965, Kruchev é deposto do poder e substituído pelo neo-stalinista Leonid Brejnev. Exagerou no desmantelamento do culto a Stalin e no descrédito de companheiros do círculo stalinista, enquanto, como ex-membro, se preservava. O reconhecimento público honesto dos pecados cometidos por Stalin deu margem aos defensores da primazia do capital sobre o trabalho que tentassem solapar a base histórica de legitimidade do regime soviético. Brejnev fez das tripas o coração para limpar o nome de Stalin na História.
O Estado, segundo Karl Marx, é um instrumento de opressão, o ideal é uma sociedade onde trabalhadores e camponeses gerissem suas fábricas e terras, no meio dos quais o Estado se esvaneceria. Contudo, na URSS, o Estado era mais poderoso e autoritário do que qualquer outra nação do mundo, sustentado por uma imensa máquina militar e um aparato onipresente de segurança interna, no qual o Kremlin controlava todos os detalhes da vida privada do cidadão.
O Estado era o coração, se não a alma, da União Soviética, e o poder por trás do Estado era o Partido Comunista, com 18 milhões de membros recrutados em todos os segmentos da sociedade, o que garantia uma rápida ascensão profissional. Para manter na mais perfeita ordem o comportamento político, inclusive de comandantes do Exército, a KGB empregava 700 mil agentes, numa relação de 1 para 250 habitantes. Sem contar os colaboradores que delatavam qualquer acontecimento suspeito, como a visita de estrangeiros.
Um único homem, o Secretário-Geral do Partido, presidia o Secretariado – funcionava como Estado-Maior do Partido -, e o Politburo, órgão executivo do Partido formado por 500 membros eleitos para representar todas as partes da URSS. Era o chefe supremo do poder, o líder soviético, o czar da cruzada contra o imperialismo burguês, o czar comunista.
Os valores que moldaram a Revolução Russa, impulsionando a nação à grande transformação social e política porque passou desde 1917, estavam sendo aviltados. À medida que o Estado foi se assenhorando dos meios de produção, uma casta burocrática passou a controlar as massas em troca do crescimento da riqueza nacional cuja redistribuição igualitária compensaria a supressão da livre circulação das idéias. A pretexto de protegê-las de golpes direitistas, burgueses ou capitalistas que reduziriam a pó o status adquirido. A pretexto de a fome e a miséria aviltarem mais do que o constrangimento no direito de ir e vir, do que arranhar as liberdades individuais.
A liderança soviética nunca tolerou qualquer atividade política nos países-satélites capaz de significar um enfraquecimento da fidelidade a Moscou. As opiniões políticas estavam sujeitas a um controle rigoroso, qualquer desvio da linha do Partido, nocivo ao interesse da sociedade ou do Estado, colocava em risco a integridade do dissidente. Não foi por outro motivo que, em 1968, a União Soviética mandou as tropas do Pacto de Varsóvia invadirem a Tchecoslováquia para reprimir a “Primavera de Praga”, os insurrectos a favor da liberdade de expressão.
A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas teve sua supremacia reconhecida: é o maior país do mundo, capaz de encabeçar os países do Ocidente em todos os domínios, militar, científico, industrial, cultural, e de rivalizar com eles no plano político mundial. Valia-se do seu papel de líder mundial do comunismo marxista para fortalecer sua posição, servindo ao mesmo tempo de baliza ideológica e fonte de ajuda para outros países ou facções políticas. Subiu ao pódio nas Olimpíadas de 1980 que organizou em Moscou, para exibir sua pujança, esplendor físico, recordes quebrados, arte e beleza na ginástica, o intelecto privilegiado na ciência do esporte. O ursinho-mascote Misha, o símbolo, que o diga.