Se você, a respeito do amor, se julgar no direito de interpretar como o outro deve sentir e manifestar-se, por julgar que esse amor não está chegando em você de modo a deixá-lo feliz e realizado como pensou que um dia iria ficar com o amor, é sinal de que se iniciou um processo de minar as bases de um amor em que depositou todas as suas esperanças para resgatar a razão de viver e dar continuidade ao nosso destino. Culminando no fim do amor.
Quando desejou tudo nesse amor, menos enterrá-lo. Fazê-lo crescer, menos sabotá-lo. Enraizá-lo, menos transformá-lo em serpente rastejando em sua direção para engoli-lo como a um rato. Torná-lo gigante, não numa bolha que explode ao mais leve contato com um alfinete, cuja intenção não é outra senão agulhá-lo no seu ponto mais nevrálgico para ver se ele desperta e, contaminado, irradia magia. Não enveredando pela bruxaria como só acontece a quem desfalece na agonia do amor.
Mas não! Você preferiu mudar a sua amada para torná-la igual a si mesmo. Embora não admita desempenhar tão inglório papel por se achar na defesa de princípios nobres. Quando não é nada fácil lidar com suas desarmonias, impropriedades e inconveniências. De nada adianta se defrontar com o poder de sua lógica e racionalidade, se não permite que as emoções fáceis encontrem espaço e deságuem no seu rio, cujo curso é sujeito a corredeiras e quedas livres, em águas revoltas que demandam a paz de um remanso para refletir sobre quem ama e como se erguer por suas próprias pernas, fincar os pés no barro que afunda com extrema facilidade, para justamente você procurar sua própria sustentação e sair de seu eixo, que o fazia dar voltas em torno de si mesmo, há séculos.
Arriscando-se a descobrir no outro o que nunca sonhou, numa forma esquisita, soando estranho, pois ideias e perfil não se encaixam no seu meio ambiente, sequer combinam com sua personalidade. Seria uma pedreira procurar chifre em cabeça de cavalo. Por que, então, despertou sua atenção e foi atrás de sarna para se coçar? Como é que irá se explicar diante de seu eleitorado?
A torneira não para de pingar. O desgaste é inevitável. O barulho, torturante. Não o deixa dormir e manter-se alienado de sua situação, que perdura irritantemente. No dilema de calar a torneira aplicando-lhe um torniquete, ou arrebentar-lhe a cabeça, esparramando água para tudo quanto é lado. Ou fechando o registro, impedindo o fluir livre da corrente que vem para limpar a sua praia e pintá-la com uma sucessão de ondas, sem saber o que lhe reservam no instante em que começam a crescer e rebentar na areia, com o que estiver debaixo. Como escapar da ressaca se foi colhido de surpresa? A saída é esperar o mar se acalmar no olho da tormenta. O que equivale à torneira não parar de pingar. Melhor nadar em direção ao alto-mar, fugindo da beira-mar.
Rumo ao desconhecido, ao inseguro, do que temos mais medo. Ao sombrio, ao silêncio que emana do fundo do mar. Ao signo dos peixes. Onde não se ouve a torneira que não para de pingar. Rumo ao horizonte, que abre todas as possibilidades, em violento contraste com pôr os pés em terra firme. Onde você logo busca seu eixo, suas referências, alguém parecido contigo.
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