Morre Leonel de Moura Brizola, levando com ele o trabalhismo, doutrina que deu identidade ao povo brasileiro e marcou a Era Vargas. Suicidaram com Getúlio, apagaram Jango e não conseguiram assassinar Brizola no exílio.
Se tornou o inimigo número um do regime militar em 1961, ao deflagrar a “Cadeia da Legalidade” no comando de 104 emissoras do sul do país para garantir a posse de Jango com a renúncia de Jânio Quadros, em meio aos boatos de bombardeio do Palácio Piratini cercado por barricadas. Acusado de subversivo por fomentar a reforma agrária ao desapropriar as terras de sua mulher. Tachado de incendiário por suas ligações com Fidel Castro. Injuriado como anticristo por ofender a tradição, família e propriedade. O líder mais destacado da esquerda radical no confronto aberto com os americanos na luta antiimperialista, servindo de mote para o golpe que derrubou Jango em 31 de março de 1964. Obrigando-o a fugir num teco-teco para o Uruguai, evitando o radar num vôo rasante por sobre o litoral – de um romantismo só.
Ao voltar de um exílio de 15 anos, conquistou sua maior vitória ao se eleger governador do Rio de Janeiro, derrotando a herdeira do lacerdismo – Sandra Cavalcanti -, o delfim do chaguismo – Miro Teixeira – e o candidato apoiado pela ditadura – Moreira Franco. Na primeira tentativa de fraude eletrônica na contagem de votos ocorrida no Brasil, através da Proconsult, empresa particular que tinha em seus quadros agentes do SNI que viam Brizola como uma ameaça à redemocratização. De quebra, desafiou o poder de Roberto Marinho, visto que as Organizações Globo selaram a vitória de Moreira Franco.
Deputado estadual, federal, prefeito de Porto Alegre e governador do Rio Grande do Sul, sofreu sua maior derrota ao não conseguir realizar o sonho pelo qual lutou durante toda a vida: ser presidente da República. Mas ingressou no panteão dos homens de bem do país, ao ter colocado a educação no centro do debate político com seu programa de Ciep’s, nas palavras do deputado e professor de história Chico Alencar.
Perde-se uma referência importante na nossa política, um personagem da nossa História durante mais de meio século, assevera o “sapo barbudo”, sem mágoas. Um idealista marcado pela ética e coerência, priorizando as crianças com seus 500 brizolões, embora tentassem diminuí-lo com as brizolinhas, numa referência ao crescimento do tráfico de drogas nas favelas.
Leonel Brizola, a quem ninguém conseguia ficar indiferente, seja para amar ou odiar. Paixão que chegava às raias do fanatismo na Brizolândia, em frente ao Amarelinho da Cinelândia. Quanto à pecha de caudilho, já vinha de longe, desde que Getúlio amarrou os cavalos no Obelisco em 1930. Ao jeito gaúcho de ser, de ter sempre uma palavra direta que corresponda a um soco no fígado, ao não esconder o que pensa. Nada condizente com a fisiologia da política, que interpreta os pensadores doutrinários como críticos contumazes, ranzinzas, chatos, quando se revelam interessados na solução concreta dos problemas do país. Como nos tijolões de Brizola, em que não deixava pedra sobre pedra, cujo revide era lançar sobre suas costas o rebotalho político que virava folclore. Pagando um preço alto por nunca ficar em cima do muro e não abdicar do ideal trabalhista que tão obstinadamente defendeu durante a sua longa trajetória, nem mesmo quando derrotado por Enéas e pastores, em geral.
O melhor a se fazer, entre afetos e desafetos, é comemorar o seu passamento no Sambódromo, in memoriam de Darcy Ribeiro, o maior intelectual do século XX e autor da idéia do templo para a mais importante manifestação popular do país. Ao som de “Vou Festejar” na voz de Beth Carvalho. Selando um abraço em Roberto Marinho, seu inimigo figadal, agora que Deus pôs termo em suas diferenças.
Um Comentário para ADEUS À BRIZOLÂNDIA