Dirigido por Walter Salles. O roteiro de Murilo Hauser e Heitor Lorega, premiado no Festival de Veneza de 2024, foi baseado no livro homônimo de 2015, de Marcelo Rubens Paiva, escritor e teatrólogo, filho de Rubens Paiva (Selton Mello), deputado do PTB cassado no golpe de 1964, que, em 1971, havia sido levado de casa pela ditadura militar e nunca mais apareceu, sem que seus restos mortais tivessem sido devolvidos à família para que não fosse exumado e revelasse as bárbaras torturas que sofreu. Mas o filme é centrado em sua mulher, Eunice Paiva (Fernanda Torres) e seus 5 filhos, evoluindo para, duas décadas depois, ela vir a se formar em advocacia e se tornar ativista política, conseguindo em lei o reconhecimento da morte de pessoas desaparecidas em razão de participação em atividades políticas durante a ditadura militar. Sua casa foi ocupada e revistada por uma corporação de torturadores da Força Aérea, que a levou junto com uma de suas quatro filhas, ambas encapuçadas, permanecendo isoladas por dias na masmorra da ditadura. Muito triste o filme, expondo as vísceras da ditadura militar e do que ela foi capaz. Transcorridos 55 anos deste episódio, muita gente já esqueceu, morreu ou nunca tomou conhecimento. A cena mais marcante do filme foi a da Fernanda Torres tomando banho ao chegar em casa, esfregando minuciosamente cada parte do corpo para limpar a sujeira e a podridão acumuladas nos porões da ditadura, dentre elas, a monstruosidade de levar crianças para o cenário da tortura de forma a obrigar os pais à delação. A mentira e a trapaça, sendo veiculadas como fato normal na estrutura fétida da ditadura militar. Nunca se passava a informação correta, o que viria a ser repetido nos tempos bolsonaristas, até por afinidade de mente psicopata. Repercutindo na mãe, que não podia contar a versão verdadeira para os filhos quanto ao desaparecimento do pai, ainda mais com tanta diferença de idade entre eles – a tortura psicológica ao longo de anos. Eunice terminou seus dias aos 89 anos, em 2018, com mal de Alzheimer (Fernanda Montenegro no papel), que perdurou por longos 15 anos, justamente por ela preferir permanecer casada com a memória de seu marido Rubens Paiva. Aos 14 anos, o diretor Walter Salles frequentava a casa de Rubens e Eunice Paiva e conhecia sua família. O filho Marcelo Rubens Paiva marcou uma geração em 1982 com o premiado “Feliz Ano Velho”, o livro-desabafo sobre o acidente que o deixou tetraplégico aos 20 anos, o que facilitou sempre abordar sem nenhum constrangimento, inclusive com a sua mãe, a execução de seu pai e o desaparecimento de seu corpo, para não deixar preservada as marcas da tortura implacável, próprias de um inferno que os militares terão de responder por isso um dia, de uma forma ou de outra. Se já não estão.