Jorge Amado vai ocupar a mesma cadeira de Machado de Assis no Olimpo, ambos inventaram o Brasil do século XIX e XX, extraído do Rio de Janeiro capital e da Bahia nação, dando corpo, imagem e identidade às nossas raízes, fugindo aos cânones da história oficial, e cristalizando o irreversível fim do pudor que arrastou a miscigenação a encontrar nossa cara na cor, no folgar malandro, a falar pegando, no cheiro, até chegar a sentir orgulho por ter o pezinho lá.
Desde que a Revolução Francesa decapitou a torto e a direito, se viveu o dilema entre dar vivas ao rei e construir uma nação a partir de marginalizados e perseguidos como heróis, segundo os detratores de Jorge, de putas e vagabundos. Ninguém sabia o que era o Brasil, e se o negávamos.
Os portugueses ao abusarem dos índios e dos negros valendo-se do rega-bofe da escravidão, acabaram povoando um país que não era mais dos brancos, com traços de inferioridade, desigualdade e recalque, cuja mistura de raça e sangue resultaram em Gabriela, Tieta, Teresa Batista e Dona Flor.
Essas mulheres brotaram do dilema que Jorge Amado viveu como marxista que queria dar um fim à desigual materialidade social: ter como pai Stálin ou um coronel de cacau. Até descobrir em 1955 que a KGB calou as vozes de tantos inimigos políticos quanto a SS de Hitler, quando descreu da ideologia que engajava sua arte na defesa dos pobres e oprimidos e a crer na mistura dos credos, caldo de cultura autenticamente brasileiro, em franca oposição aos xiitas iorubás que achavam o sincretismo religioso resquício da escravidão: pratique duas religiões e agrade os dois lados que o espírito resta insatisfeito.
Defendia o candomblé e outros cultos afros, ainda por uma questão de dogma, por encerrar a verdade dos desassistidos, justiça social seja feita, merecia que se depositasse fé. Embora não acreditasse em vida inteligente depois da morte, obcecado em negar o Deus que lhe haviam doutrinado, lamentava o tempo curto de existência e a ronda da criatura desagradável que teima em nos levar daqui pra uma melhor, a despeito de caduquice ser motivo para chorar, não para comemorar.
Sua obra literária mereceu adaptação para cinema, TV e teatro que torciam o nariz de Amado, forçado a reconhecer que sua mensagem social atingia a massa que não leria seus livros. Nunca pensou em receber o Nobel, pois conhecia sobejamente a elite que soube farejar sua obra, sugá-la e incorporar sua ideologia, devolvendo-a para a sociedade em suaves doses de sensualidade, como se do seu núcleo a tivessem parido, visível no folclore que humaniza os coronéis. Essa elite se orienta por onde pode perder seu status e seus dividendos correm riscos. Conscientizada e unida pressentem os movimentos sociais, articulada e rápida no gatilho abocanham a bola da vez e convertem-no em pop.
Para quem teve a consciência escovada em observar a origem da pobreza, o sentimento de impotência e de mãos atadas se alastrou, o que num homem simples e bom como Jorge Amado foi fatal, se perdendo em meio à procura de um novo Pai, tornando-se macambúzio ao ser louvado e enaltecido pelos donos do poder.
Também pudera, lhe deram motivos de sobra, não queimou sua massa cinzenta e coração de passarinho para assistir de camarote, antes que se secassem as lágrimas, o açodamento de candidatos se lançando à vaga aberta na ABL no próprio dia do velório, em conflito com a entourage acadêmica, como se a cadeira cativa fosse para ungir o Papa ou o Rei.
Vaidade e orgulho que bem caracterizam a ânsia dos mortais na busca da imortalidade, da fonte da juventude e, no futuro, da clonagem de si próprios.