“Anos felizes” é um filme italiano sensacional, daqueles que os críticos só irão enxergar com o tempo, quando o público vier a repercutir, impactado por cenas filmadas com muita emoção veramente italiana predominando sobre questões que emergiram nos anos 1970, como as dificuldades da relação monogâmica e se o amor, com sua possessividade e ciúmes, pode interferir na arte. O diretor Daniele Luchetti lembra Dino Risi (combinava humor com drama) e nos transporta para o neorrealismo italiano dos anos 1960, em que achávamos que a emoção italiana superava a brasileira, com todos sempre brigando ou amando possessivamente e se intrometendo na vida do outro sem o menor pudor. Época em que a mulher não tinha autonomia para levar longe o seu desejo nem ter em mente um projeto próprio, a partir do qual os costumes foram sendo revirados pelo avesso. A sensualíssima Micaela Ramazzotti é casada com o gato Kim Rossi Stuart, um artista que fazia trabalhos experimentais em arte, mas incompreendido pela crítica (hoje muito bem aceitos), que se comportava como um marido burguês que impunha à esposa o papel tradicional de aceitar suas escapulidas – afinal de contas, era um artista. Mesmo porque suas modelos desnudas não tinham a menor importância, era sexo num abrir e fechar os olhos, fazendo um gesto de comer e engolir. O que a levou a conhecer feministas e transitar para o modernismo que se introjetou nos costumes atuais. Seus dois filhos são atentos espectadores da vida privada do casal, como se estivessem dentro do palco de um teatro, com direito a interagir. Um verdadeiro espetáculo narrado por um deles, o excelente Samuel Garofalo, que traduzia como essas loucas experiências viriam a repercutir em sua vida de adulto. Igualzinho a nós.
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