Como vencer a tentação de se tornar um monstro entre o desejo de vingança e a reparação?
Uma ex-prisioneira e o homem que ela acredita ser o médico que acompanhava as sessões de tortura em que era torturada. Com os papéis invertidos, ela captura seu possível algoz e inicia um julgamento particular em sua casa, tentando extrair uma confissão dele. Descobrir o que se passa em sua mente doentia e o submeter à mesma expiação.
Como, em sua busca por reparação, não se transformar no próprio monstro que a fez sofrer? O que separa vingança da justiça? E subitamente ter poder sobre a vida e a morte. Ela tem que decidir se vai imitar aquele homem ou vencer a tentação de se tornar um monstro.
Se ela busca vingança é porque a justiça não está disponível para ela, já que a sociedade em que ela vive, na transição para a democracia, de fato, a esqueceu.
Aterroriza ver os efeitos da violência da tortura no corpo e na alma. Quem diz são os que tentaram curar as vítimas. A tortura não acontece apenas uma vez, parece se projetar infinitamente. Ora estuprando a mulher, ora submetendo o homem a choques elétricos. Fica a impressão de que os torturadores não sofrem as consequências de seus atos. Ou, se sofrem, não nos é dado o direito de tomar conhecimento e reparar nossos danos.
É de arrepiar! Dá vontade de voltar à época das torturas na ditadura militar (1964-1981), tão negada quanto desmentida, para observar a monstruosidade de perto e avaliar o quanto isso permaneceu plasmado no inconsciente brasileiro, melhor dizendo, no flagrante admirador da ditadura.
Se, a cada dia que passa, surgem novas evidências da necessidade de olhar para a realidade que a tortura trouxe, como a crise de identidade, o machismo desnudado e descarado, a manipulação da linguagem, o empoderamento das mulheres e o feminicídio, a memória seletiva e outros inúmeros campos de como a democracia nem sempre satisfaz as necessidades dos que ficam fora da representação.
Demagogos e pretensos tiranos usam o medo para controlar a população. Somos reflexo de uma cultura dominante diante de tantos e tamanhos desmandos. Por não termos encarado o passado, acabamos repetindo suas piores características. Precisamos nos nutrir de mais coragem e arrojo para enfrentar as bestas do Apocalipse.
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