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BEIJO TÉCNICO

Beijo técnico é o beijo em que a língua não pode interferir no desejo. Foi inventado pelos americanos, quando seu puritanismo ditava as regras do jogo do show business. Preocupados com o duplo sentido que o beijo inspira, se é por sexo ou por amor. Hoje o beijo serve apenas para separar ficção da realidade.
Também não é preciso exagerar como os brasileiros, que tiram sarro a pretexto de sapecarem beijos técnicos. Nossos atores jamais confundem ficção com realidade, de um profissionalismo exemplar. Nunca lhes passa pela cabeça transitar das luzes da ribalta para a ação no leito. Só se for a caminho de trocar as alianças, saindo de cena de um casamento para entrar em outra enrascada, até que Deus os separe.
Beijamos sexualizado, estalado, molhado, mordido de furor uterino, até sangrar em cima e embaixo. Os beijos prolongados nos iludem com a veracidade da paixão ou com o romantismo que inspiram, devido à longevidade e arrebatamento.
Não se podia beijar do jeito que quisesse, reclamam os avós com inveja. Também, ninguém testemunhou o que faziam detrás da moita ou embaixo da escada. Ah, se as domésticas pusessem a boca no mundo!
Beija-se antropófago, ao se confundir comer com beijar. Parece que falta comida em casa. Concentram-se em ofender o pudor e tirar a tranqüilidade do “da poltrona”. Pretendem nos atar a fantasias com eles, em sonhos impossíveis de realizar. E ainda por cima se escandalizam se os tietamos e perseguimos. Suas vidas íntimas nos pertencem se bolinam nosso imaginário, afinal de contas, temos o direito de nos meter para saber se são de verdade. Se confirmado, também queremos participar dessa orgia onde o falso pudor não nos convence.
Moralismo não combina com novela, cinema ou carnaval. São afluentes que correm para o mesmo rio, afins na arte que estimula o beijo a nos convencer que o melhor é happy end, não é um desfecho em aberto, é o beijo que provoca suspiros, à procura da garganta profunda e de desmanchar-se em prazeres.
A quem serve o beijo técnico? O público quer ver o circo pegar fogo. De beijo sem graça já basta os dados em quem ele não consegue se desvencilhar. O telespectador ordena que haja emoção despida de respeito, o proibido insatisfaz, a ficção está na obrigação de demonstrar que o beijo é de verdade.

Antonio Carlos Gaio:
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