Blindagem é o termo da moda baseado no caráter de tanque que se quer conferir aos automóveis que transportam o pessoal endinheirado que não tem tutano para descobrir uma outra fórmula que o distinga do senhor feudal que levantava muralhas e construía fossos, a fim de proteger seu castelo.
O eleitor rico estendeu o significado de blindado ao Lula, na certeza de que nada poderia alcançá-lo, pois que inexpugnável se apresentava diante dos inúmeros disparos provenientes do neoliberalismo que vendeu a pátria. Os tiros morreram na água que inundou o país com a dívida externa até o pescoço, o desemprego e a miséria que causaram violência até o nariz. Não foi por outra razão que o eleitorado da região amazônica e da república autônoma da Bahia de ACM votaram em peso no primeiro presidente da História que veio da miséria – de Caetés -, dividindo banheiro coletivo com bêbados em cortiço paulista. Pensaram ser a bola da vez no frenético processo de privatizações.
Confiamos na democracia para afastar os invasores, já que não somos dotados da frieza sanguinolenta dos russos para injetar gases inodoros e incolores com o propósito de não pôr de joelhos o arremedo de democracia, sepultando terroristas e seqüestrados na mesma cova.
Com a experiência de quatro campanhas eleitorais ao disputar o pódio com Brizola, Collor e FHC, de se lançar como líder de massas no cenário metalúrgico no descenso da ditadura militar obcecada com a cubanização do Brasil, de reverter o quadro de rebelar-se contra o bom burguês para o paz e amor, Lula se prepara para se revestir de uma nova camada de blindagem. Sob o olhar atento de sua eminência parda, José Dirceu.
A primeira foi suficiente para conter a metralhadora giratória ou disparos de longo alcance e precisão de um situacionismo raivoso que não chegou a causar medo numa oposição propositora de uma sociedade alternativa. Seu discurso comovente tirou de letra as investidas contra a concordância, regência e dicção, prevalece a comunicação contra o rigor do estilo. Agora virão obuses de morteiros e lança-chamas, Lula, blindado, se prepara para incorporar o espírito de Gandhi na cruzada contra a fome.
Prescrever três refeições ao dia para o povo brasileiro na qualidade de médico-presidente, deixará o mercado entre a cruz e a caldeirinha, entre o lucro e o feijão-com-arroz, entre a ganância e a violência, entre a frieza da rentabilidade e o sentimentalismo barato, entre o balanço de lucros e perdas e a que moral servir.
O aumento desenfreado do dólar agravou o endividamento dos setores de tecnologia de ponta e daqueles que creram na internacionalização da economia e inserção do Brasil no primeiro mundo globalizado, avalizado pelo sorriso cordial e confiante de FHC, um cidadão elegante, polido e de boas maneiras que dá aulas de como fazer a transição presidencial e se preparar para outros vôos, aqui, ali, acolá e alhures.
O final do filme para quem quis abraçar o mundo com as pernas é o tête-à-tête com os credores, invocando as condições macro-econômicas desfavoráveis – eufemismo de uma era que se frustrou. Vão-se os anéis, ficam-se os dedos, em sintonia fina com o combate à miséria anunciado para o Ano Novo.
O operário nordestino que virou presidente, a primeira-dama ex-babá, e o vice que não concluiu o ginásio para ser mascate. Levantaram a auto-estima do povo brasileiro que saiu às ruas para comemorar como se tivesse conquistado outra Copa do Mundo. Para desconsolo dos que não acreditam em guinadas, o mito começa a encorpar como uma boa cachaça tirada do alambique.
Companheiro será a palavra de ordem do próximo verão.