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BOMBA-RELÓGIO

A história de um par amoroso formado por um português (José) e uma judia asquenaze (Agnieszka), procedente da Polônia, ouvida quando eu tratava de um canal. Portanto, tinha que manter a boca aberta, mas sem poder dar um pio. E arregalar os olhos.
O pai cafeicultor de José sempre lhe proporcionou um falso padrão de vida de rico. Morreu cedo, enterrado em dívidas de jogo, cuja atração maior era apostar em cavalo azarão. José não era homem de andar sozinho, sempre pendurado numa mulher. Começou desvirginando a filha de um coronel político da região onde morava, que o obrigou a se casar com ela. Disse sim, mas a abandonou na porta da igreja. O vexame forçou o pai da moça a escondê-la em Paris, onde lá se tornou modelo da Vogue, até vir a morrer de Aids.
Bonito, de olhos verdes, daqueles que ia para o palco e gostava de se exibir, resolveu se casar para valer e se redimir da fama de fujão. Não adiantou. Logo quis a separação, exigindo a anulação do casamento. Foi quando conheceu Agnieszka para transformar a encarnação da polonesa num sucessivo resgate de carmas. Já havia caído na realidade financeira que seu pai tentara evitar e era taxista.
Logo a engravidou, mas a família judia, notória em preservar suas origens ancestrais, ainda mais com os antecedentes nada inspiradores de José, recomendou o aborto e mandou-a para um kibutz em Israel. Na época, estava na moda pequenas comunidades israelenses economicamente autônomas com base em trabalho agrícola, caracterizadas por uma organização igualitária e democrática, obtida pela propriedade coletiva dos meios de produção e da administração conduzida por todos os seus integrantes em assembleias gerais regulares.
José procurou uma vidente, que o aconselhou a atravessar o oceano e ir atrás da mulher de sua vida, senão iria terminar seus dias velho, pobre e solitário. Varou Israel adentro e a encontrou. Levou-a para Portugal a fim de conhecer sua família e fazê-la crer que agora era um homem sério.
Embora não fosse homem de depender nem de explorar a família de sua esposa, abriu uma butique na sobreloja do mesmo imóvel em que sua sogra explorava um negócio. Facilitado por um capital ganho na loteria esportiva e ser bom de lábia. Ao longo de 17 anos de casamento, uma filha e mais dois que nasceram com diferença de 3 e 10 anos para a primogênita.
Mas Agnieszka não pôde suportar um homem que só bebia refrigerantes ao invés de água e a acordava para ela servi-lo durante a noite. Ela produzia perfumes e os vendia por conta própria, com José fazendo de tudo para arruinar seu negócio. Secar sua fonte.
Até que Agnieszka tomou a decisão de se separar e nunca mais lhe dirigir a palavra. Embora ele tenha se agregado a outra mulher, com quem divide os lençóis há 30 anos – se dependesse dele, voltaria imediatamente para Agnieszka. O que infelicita sobremaneira a atual esposa. Porém, Agnieszka deu um fim definitivo no seu carma e se esmera em não prejudicar a infeliz da vez.
Hoje com 72 anos e Agnieszka com 69, José se passa por um homem pobre, afundado em sentimento de comiseração por ele próprio, quando esconde as reservas que conseguiu acumular e atacado por um câncer no nariz que, pouco a pouco, deforma seu outrora lindo rosto. Em sequência a um rim que doou ao sobrinho para que ele continuasse a sobreviver. Um sacrifício notável para quem quer distância de hospital, sangue e cirurgia.
Pobre não é o homem que aparenta ou tem pouco de verdade, mas quem anseia por mais. Ou quem entesoura sem parar. Ou quem só pensa nisso. Qual é o limite adequado para a riqueza? Seja tendo o que é necessário ou suficiente, acertemos nossas contas com a vida antes que seja tarde demais.
Obcecado por seus dilemas e impasses, José ainda não decidiu que destino dará a sua vida. Tornou-se uma bomba-relógio com data marcada para explodir. Ai de quem estiver do lado dele na hora aprazada. A previsão da vidente o persegue e acompanha seus passos.

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Antonio Carlos Gaio
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