Por que o meu avô Manoel Jorge Gaio emigrou de Portugal para o Brasil em meados de 1890, desembarcando na cidade do Rio de Janeiro com o intuito de levantar uma rede de armazéns, que alguns dizem que, no auge dos anos 1910 e 1920, alcançou uma marca maior do que vinte estabelecimentos, e pouco a pouco se sentir insatisfeito com a realização material? Para tornar a caridade e a assistência social a razão de sua existência, fazendo de tudo pelos desvalidos, quando criou a Fundação Marietta Gaio em 1932? A ponto de transferir, para o patrimônio dela, parte expressiva dos sobrados que andou construindo, desde o início do século XX, para alojar o armazém e a residência do gerente no primeiro piso. Foi elevando a causa espírita ao Céu que conseguiu o impossível: conciliar a realidade material e a busca incessante do lucro inerente aos negócios das Casas Gaio Marti com a prática espírita e sua abnegada trajetória, sempre lúcido. Como explicar, então, que alguns de seus descendentes próximos e diretos tivessem um destino tão bruscamente interrompido ou mesmo alquebrado? Ou, de outra forma, completamente apartados de ensinamentos espíritas que teriam ajudado nos momentos mais críticos a se reconciliarem com a vida. Ou como explicar meu pai ver escapar a septuagenária empresa da família por entre suas mãos para sócios predadores nem um pouco interessados em sua reestruturação e continuidade, e muito menos na sua história? Tragédias ou desgraças que não encontram eco na generosidade e desapego de meu avô, que se propôs a aliviar o sofrimento alheio, e posteriormente pediu a Deus, quando se despiu da veste carnal, que lhe permitisse exercitar, por pelo menos 50 anos, o amor e o bem em paragens onde os corações ainda estivessem endurecidos ou apartados dos efeitos do amor, se impondo afastar-se dos afetos, das lembranças e das memórias de quem lhe era próximo, e da própria Fundação.
A vigésima oitava intervenção espiritual, em 30 de setembro de 2016, se iniciou com cânticos para abrir caminho para os espíritos curadores e a leitura dos itens 20 e 21 (“Bem-aventurados aqueles que têm os olhos fechados”) do capítulo 8 (“Bem-aventurados os puros de coração”) do livro de Allan Kardec, “O Evangelho segundo o Espiritismo”.
O que chamamos de caprichos da sorte é a mão de Deus fazendo-se sentir. Se, em sua bondade, lançou um véu sobre nossos atos passados, foi para deixar claro que entre a falta e a pena sempre há uma correlação. Se com a espada tiver causado mal insanável, é através do fio dela que morrerás. Não se trata de apologia à Lei de Talião e sim de que a alma precisa ser curada antes que a enfermidade o alcance. Necessita que a carne seja castigada para que ela se eleve até Deus com a mesma brancura que tinha quando a criou e não nos lembramos, bem como quando aprendemos a andar e falar.
Se fores atingido pela perda de visão, pensa se a queda não foi ocasionada pelo excesso de trabalho que se impôs ou consequência de maus tratos ou da falta de cuidado para consigo mesmo. Se a falta de visão foi a causa de vossa perdição. Mas esteja alerta que, se seus olhos lentamente se apagam, em compensação não mais serás motivo de queda, por aí conhecer as delícias do Espírito, que vive de meditação e do amor, passando a enxergar mais do que os que veem claramente.
Absurdo considerar os privados da visão como os bem-aventurados da expiação? O olho aberto pode ser o anjo tenebroso sempre apto a direcionar a alma de modo que ela tropece e caia, chegada a ocasião propícia. O olho fechado, pelo contrário, até pela cautela natural que se impõe, fica liberado, se guiado pela verdadeira luz do coração, a se lançar por esferas espirituais que nem os predestinados conseguem ver, elevando sua alma a ponto de lhe infundir força e coragem na medida certa para deixar as trevas para trás. Posto que passa a sentir uma luz maior que o invade e que toma conta de seu destino.
Imbuído da mesma visão, meu avô, ao ingressar no Plano Espiritual, tirou a venda dos olhos para melhor enxergar se sua essência era, de verdade, dirigida para o bem do próximo.
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