Só quem é mais velho pode avaliar as mudanças no Carnaval, desde que com uma distância crítica. Não chegaremos tanto ao tempo dos corsos, em que carros de capota aberta com seus integrantes fantasiados jogavam serpentina e confete no público ao longo do desfile na Avenida Rio Branco. Avancemos através da população negra descendo os morros e ocupando espaços que normalmente a polícia não permitia o acesso, o que a incentivou a se agruparem em blocos, associações recreativas, ranchos, até alcançarem as escolas de samba. Para se transformar no maior espetáculo da Terra, precisou de uma troika composta de Brizola, Darcy Ribeiro e o arquiteto Niemeyer para construir o Sambódromo em 1984, sob o mau agouro do sistema Globo azucrinando os carnavalescos com a ameaça de que tudo viria abaixo na hora do desfile. O que acabou contagiando o Carnaval, que se espalhou por cada recanto da Cidade Maravilhosa como nunca antes acontecera. E assim ficou plasmado na memória de quem ama o Carnaval.
Em paralelo, o desnudamento do folião em confronto aberto com a moral estabelecida e ainda vigente no século XX, sendo demolido, pouco a pouco, um a um de cada pilar de uma engrenagem falsa que não aceitava seios ansiosos pretendendo saltitar à solta em meio a olhares sedentos de foliões, que não vieram para brincar em ação. Quando não a boca para desviar a atenção com sua vermelhidão instigada pelo batom e os dentes prontos para morderem o que tiver de ser para causar dor e prazer ao mesmo tempo. E as bundas? A ratificar a miscigenação posta em prática e a atestar que não havia discriminação nas escolhas sexualizadas. O corpo colado a significar que acabou a conversa e o papo sério que não leva a lugar nenhum.
Não há mais espaço para relacionamento no Carnaval, pouco importa se aberto. Se alguns conseguem até se casar, merecem ser encaminhados ao museu mais próximo. A nova dinâmica é chegar junto, dizer a que veio, bastando falar pela linguagem do olhar e não tendo nada organizado pela cabeça. Cantando, a plenos pulmões, para seus males espantar.
Como vai ser depois que o Carnaval acabar sempre foi o eterno dilema, mesmo para quem somente acompanhou pela TV, já que a vida se desorganiza durante os festejos para depois demandar freios de modo a colocar a casa em ordem. E a moral? Mandada para o espaço durante o Carnaval, ela não se restabelece no seu devido lugar e cada vez cede mais terreno, ensejando a reação de uma verdadeira onda conservadora que lambe o planeta, que se vale da mentira, da enganação e dos golpes de todos os gêneros para defender a moral de antigamente. Enquanto o desregramento da moral procura um mundo melhor fora do Carnaval, livre da hipocrisia, mas não sabe fazê-lo como um movimento de forma organizada. Por ainda necessitar se valer da festa, do congraçamento de almas congêneres, da alegria, da música, da comemoração, de abraçarem ideais e do amor livre.