Acordar cedo, fazer exame de sangue e urina, ver a taxa de colesterol a quantas anda. A glicose só pode estar baixa, a vida tem andado azeda. Arrumar os currículos. No plural mesmo. Um de trabalho, outro de amor. Por que, quando se quer começar uma relação, parece que o passado todo tem que ser investigado? O que você gosta de comer? Você prefere cinema ou DVD? Quantos anos ficou casado? Só perguntas. E muitas incertezas.
Por outro lado, o futuro está ali, na sua frente, como uma folha branca cheia de possibilidades, mas, por mais que eu me esforce, não consigo imaginar que “posso ser tudo o que quiser”. Penso é que posso ser o que ainda sobrar pra mim. Imagino-me alimentando-me de sobras e restos. Alguém não quis aquele cara? Dá pra mim, então. Aquele emprego já não lhe serve mais? Eu pego. Por que essa sensação de que tenho que dar graças a Deus por ainda ter umas sobrinhas para mim? Por que essa impressão sufocante de que se eu não correr não terei mais opções? O tempo vai ter passado e eu não terei mais nenhuma sobra para me agarrar?
Não. Não quero viver de sobras. Porque o tempo passou e eu estou inteira. Não mereço as sobras de ninguém. A partir de hoje só me apego a inteiros. Começo do zero. Como uma folha branca e uma caneta ainda hesitante, mas que vai rabiscar suas primeiras palavras sim, e, depois, comemorar, com um belo de um ponto final. De parágrafo. Para então começar tudo de novo mais uma vez, numa nova linha. Novo parágrafo, nova página em branco. E tenho dito.