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CONTAR CARNEIRINHOS

Desde o tempo dos czares, a marca registrada da Rússia foi sua política expansionista, na defesa dos interesses imperiais na aquisição territorial para manter povos incipientemente organizados como Estados sob sua tutela que, por sua vez, procuravam disfarçar a submissão econômica, política e cultural. A seu favor, a virgindade da Sibéria e a necessidade de saídas para o mar. Tese reforçada pelo comunismo que convalidou a geopolítica sob o pretexto da cruzada contra o imperialismo burguês, consubstanciada em Stalin, o chefe supremo do poder, o czar da ditadura do proletariado. O caldo de cultura nas estepes.
Eis que a democracia pede licença para entrar no ocaso do comunismo e esfacela a União Soviética, restando repúblicas que acreditam na integridade, poderio e riqueza da federação russa e outras que se cansaram de pedir a bênção. Em foco, a independência da Chechênia como mau exemplo, principalmente em se tratando de petróleo e oleodutos que singram o território abastecendo aqui e acolá. Cerca de 400 mortos em Beslan, após três dias em que separatistas mantiveram 1200 reféns no primeiro dia do ano escolar. Ouvindo o choro das crianças assustadas com os explosivos pendurados por arames ou em cestas de basquete. Como negociar depois que as explodiram ou atiraram pelas costas?
Os seqüestros tendem a se multiplicar, do Iraque à Ossétia do Norte, pois não há como desencadear uma guerra convencional nos dias de hoje. Para brigar de frente contra grandes máquinas militares. Não sobreviveriam, e o que é pior, sob a indiferença da opinião pública. Para comover e mobilizar, somente vitimando inocentes, desprotegidos, gente miúda e idosa, forças pequenas, fracas e irregulares na luta pelo sustento. O sucesso da empreitada vai depender do fator surpresa. Crêem os terroristas que só assim a massa acordará para descobrir quem é seu verdadeiro inimigo.
Se Bush, Putin ou Sharon. Nas suas campanhas militares para conquistar a paz, em busca de recompensa eleitoral sob a promessa de segurança, geram violência pós-violência. Se as intenções são boas, os inimigos são inteiramente maus. A única exploração possível que faz a guerra ter sentido, avalizando a crença dos terroristas no culto da morte para entrar no paraíso e ser livre para professar a sua causa, num estado de elevação espiritual. Já que do lado de lá não se discute nem se entra em choque, se descansa. Depois de massacrar crianças.
A corda vai arrebentar do lado mais fraco, arriscado a morrer como alvo de balas perdidas, bombas ou qualquer inovador ato de barbárie que torne a vida conforme os políticos enxergam. No primeiro ato, a seriedade do pragmatismo; no segundo, o blá-blá-blá do oportunismo; no terceiro, a resignação. A partir daí, é melhor contar carneirinhos e deixar o sono vir. A poeira entrar. A mais longa das noites chegar.

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Antonio Carlos Gaio
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