O homem bonito, no papel de personal de academia de ginástica, comparável a um Apolo, por exaltar a saúde física e a beleza do corpo trabalhado como se tivesse sido esculpido à imagem de uma estátua dionisíaca, simbolizando o perigoso e o inesperado, tudo que escapa ao bom senso. Fazia parte do conjunto uma alma vagabunda que o levou a nunca lhe terem dado muito crédito (um segredo guardado a sete chaves) e a não valorizar as inúmeras mulheres que bateram em sua porta. Trocando os pés pelas mãos e passar a andar de quatro quando lhe for subtraída a ereção.
Até que encontrou uma que lhe fizesse frente, munida de um corpo excepcional, comparável a uma Afrodite, deusa do amor e da sexualidade, responsável pela perpetuação do prazer que prolonga a vida. Fator que não escapa à observação de nenhum homem, que só tem olhos para a sensualidade do corpo. Todavia, o chauvinismo corrente identificava em seu rosto um elemento não à altura de seu corpo. Quando o que interessa é o todo, o conjunto, o que lhe conferia um status de uma senhora mulher.
Isso, até que o coitado do personal enxergou, tanto que aceitou viver sob o mesmo teto com a deusa, situação que abominava e considerava um obstáculo intransponível, certamente o último encargo por realizar na vida. Filho, então, nem pensar – Apolo também era o deus da distância e, embora tenha tido inúmeros amores, nunca foi feliz em companhia delas. Se nunca deu conta de sua vida, pelos quatro cantos do afeto, é porque não o flagraram pendurado em dívidas, apesar de faturar bem com o seu status de preparador de alto calibre.
Natural que o seu coração vira-lata pendesse para alguém em que o triângulo amoroso formado trabalhasse na mesma academia. E nem se pode dizer, olhando através do futuro, que aquilo iria render. Mas a personal deusa não perdoou, não foi complacente, atingida em seu âmago de mulher íntegra no amor, mas desprezada em sua essência, que toda mulher relaciona a sua aparência – “não atraio mais”. Imediatamente se separou, sem se descabelar e dar vazão a reações agressivas, comportando-se como uma lady, nunca lhe propiciando a menor chance para ele voltar ao seu colo e à ebulição de seus seios. Sabedora de que precisaria de mais de uma encarnação para lavar a honra dessa alma infiel e sem princípios, que jamais respeitaria uma intensidade de amor que só acomete uma vez na vida, por mais que teorias modernas e práticas afins neguem o sacro teor que magnetiza o verdadeiro amor, quando singular em seu estrito senso, em favor da diversidade, do experimentalismo, do ficar, do amor comunitário, do casar e separar, da busca incansável pela sua cara-metade.
Foi o que lhe bastou para acabar com sua vida. Nunca mais foi o mesmo. Deixou de ter sua marca registrada. Esvaziou-se. Sua retórica ganhou o espaço sideral e desapareceu no buraco negro, outrora objeto de seu desejo. Perdeu o brilho e a convicção. Buscou abrigo na casa do pai, outro fracassado igual ao falido personal – os gambás se procuram.
Não havia como conciliar nem tampouco se pode acusá-la de vingança, pois ela estava coberta de razão, ainda mais transparecendo forças ocultas superiores aos descaminhos do homem que, não raro, não as pressente, condicionado a limitações que não consegue vencer. Não pense, você, que isso não irá custar caro, obrigando-a a ser mais cuidadosa nas aproximações futuras, resguardando seu amor de lobos solitários, predadores de sua própria sorte, que adoram abocanhar o amor intocado, não sendo dotados da mais leve sensibilidade para compreender a fragilidade de uma mulher, mesmo estruturada e fortalecida para se defrontar com a crueza dos dias de hoje.