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COVARDIA

Eu sou homem, você tá pensando o quê? Ela tá te dando mole, se você não for, eu vou! Você não está lidando com qualquer um, eu sou homem! Isso é papo de viado! Homem que é homem não aceita isso, vê se não vacila. Na hora H, você vai dar pra trás?
Quando eu tinha que brigar para defender a minha honra, ou melhor, a minha valentia, para mostrar que eu era corajoso, no fundo eu tinha medo.
Esse medo imbica em mil vetores.
Medo de apanhar, pelo fato de o adversário ser, no olho, mais forte, ou lutar melhor, ou simplesmente saber lutar – e você não. Medo de levar um tapa na cara, daqueles de estalar, e todo mundo ficar olhando, à espera de sua reação. Que não vem. A desmoralização implica na retaliação para não ficar por baixo.
Onde será que fica a cabeça do pai que esbofeteia os filhos? Estacionada no ato da fecundação? É claro que o pai tem noção da humilhação, do quanto marcará a vida do filho, para reprimir o ato de rebeldia e prepará-lo para ser adulto. Ensinando-o a ser homem, respeitando o pai, em primeiro lugar, como o verdadeiro líder. Se a mulher desmente isso hoje na prática não há porque baixar a cabeça, a luta continua e o importante é não se acovardar. Não deixa que ninguém ponha o dedo nas suas fuças para dizer o que deve fazer. Cara que mamãe beijou vagabundo nenhum põe a mão. Mamãe essa em favor do filho macho, o homem que lhe dará netos.
E se, ao reagir violentamente, você for longe demais? Embora reconhecendo depois que o adversário merecia. Batendo mais do que devia para compensar o estrago que ele faria em você se pudesse. Pra que isso tudo? Tirar-lhe alguns dentes e lanhá-lo sem dó nem piedade. Essa agressividade toda vai acabar se voltando contra você. Verá crescer um pavor de que aquela cara quebrada revide, instalando-se de novo o medo, do qual você não se livra. Um moto-perpétuo.
E o medo de ter que fugir? Frente a frente com o gorila, enxergando em seus olhos que irá te dar porrada e arrancar o teu sangue de covarde. Principalmente se você for tampinha, magricela e fracote. Te obrigando a enfiar o rabo entre as pernas e sumir pros quintos dos infernos. Ninguém imagina a fuga como uma saída estratégica para evitar o pior, é a covardia que fica martelando o sono.
A covardia é encarada como o medo de perder aquela parada, sofrer a humilhação da derrota, de esvair pelo bueiro o crédito e a fama de que goza. Se ainda houver uma reserva de coragem, aí mesmo é que a covardia se faz presente, estampada no rosto. A decantada paralisia infantil.
A saída pela tangente é fazer uso de subterfúgios e maneirismos para poder dizer o que não tem coragem de dizer claramente. Com cuidado de não ir longe na velhacaria, pois não apraz ao verdadeiro covarde assumir o papel de vilão. Nem de posar de bom-moço. Haja hipocrisia para maquiar-se.
A não-reação face a face com a covardia. Se não reagir, o sujeito não é homem, tem sangue de barata, amarela igual a um pobre coitado, branco que nem cara-pálida. Perdendo a cor. Sem graça, adquire um receio de ofender quem quer que seja. De entrar na casa dos outros sem ser chamado. Hesita. Pára. Dá um passo atrás e mergulha na covardia. Joga na retranca. A título de se defender do homem voltado para o seu ego e que ignora que o espírito é o maior poder, apelando para a força. A exemplo do animal, que, impelido pelos sentidos, necessita atacar para comer ou se defender.
Lao Tsé observa sobre a não-violência: “Uns devem avançar, outros devem parar; uns devem clamar, outros devem calar; uns são fortes em si mesmos, outros devem ser escorados; uns vencem na luta da vida, outros sucumbem”.
Somente um possuidor não-violento possui realmente o possuído. A violência é o reconhecimento da própria fraqueza, o reconhecimento de que não conseguiu extrair do outro o consentimento para possuí-lo. Usa então da força para possuir o pensamento e o sentimento do outro, intimidando-o.

Antonio Carlos Gaio:
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