Na primeira metade do século XX, os militares buscavam um modelo em que se mirar para construir uma nação com ordem e progresso. Os valores pangermânicos fizeram seus olhos brilharem com a fantasia de reverter o complexo de Macunaíma que grassava na mentalidade reinante. Uma ordem unida restabeleceria a auto-estima que alavancaria o progresso. Difícil foi escolher entre a Alemanha do Kaiser e a Prússia, fundidas no 3º Reich, até que o muro de Berlim se ergueu consagrando a Guerra Fria que separou o Oriente do Ocidente, tornando obrigatória a opção pelo modelo americano da CIA para extirpar os quadros comunistas que ameaçavam a ordem da propriedade e da hierarquia social que carimbava a desigual distribuição de renda, pautada pelo catolicismo.
Sob o pretexto de pôr um fim à corrupção na política, deram um passo à frente, viraram à direita, puseram em debandada a esquerda do carcará, da banda e do tropicalismo, deixando o pasquim ao relento, e governaram com mão-de-ferro o milagre brasileiro, dizimando os dezoito do Forte que ousaram desafiá-los à semelhança do que os espanhóis fizeram com os astecas, maias e incas.
Graças a um aparelho repressor unificado militarmente que cauterizou as células comunistas e calou a boca da oposição, o poder lhes subiu a cabeça ao revelarem ignorância quanto ao cientificismo do processo de regeneração de células no tecido orgânico da política. Esquecendo-se que também eram células, a combater o suposto mal, e que, ao longo do percurso, a degeneração é uma fatalidade, afinal de contas, o inimigo era o que Dom Quixote pediu a Deus, muro mesmo só a Muralha da China, e o Brasil é um maná.
Ao tempo em que a democracia e a nova constituição tentaram desmantelar a parafernália desses livres atiradores, focos resistentes quiseram bancar avestruz como arapongas, contudo, havia que se profissionalizar diante da era do tráfico de drogas. A ordem era abandonar o amadorismo dos tempos do bicho-grilo que fumava unzinho para abrir a cabeça e virar a casaca ou tornar-se sócio. O motivo para trocar de lado não era as drogas, a despeito da unanimidade sobre, e sim o tráfico, ampliando-se o conceito para o tráfico de influência por entre lobistas, marqueteiros, pregadores, atravessadores, predadores, tesoureiros e patrocinadores de campanhas eleitorais, vis-à-vis com a mídia que assistiu seu espírito crítico esvair-se pelo mesmo ralo onde as esperanças se diluem.
O banditismo chegou surpreendentemente ao poder pelas mãos do povo nos diversos níveis governamentais e rapidamente foi impichado pelas elites econômicas, temerosas por terem embarcado na canoa do jet-ski: a brincadeira fora longe demais. O futuro iria provar, com o desaparecimento do tesoureiro-mor e sua garota de programa, que, apesar de arquivo bom ser arquivo morto, uma consciência falha no ato de votar equivale ao filho não querido de uma relação falida, não adianta lavar as mãos.
A estabilização da moeda proporcionou uma leve brisa de ilusão aos entusiastas da privatização no litígio com os jurássicos estatizantes por embarcar na quimera do Primeiro Mundo mediante o respeito da comunidade financeira internacional granjeado às custas do pagamento dos juros da dívida externa de bom tamanho.
Não foi o suficiente para impedir que político, notadamente da oposição, se transformasse em profissão de risco, como nos tempos da pistolagem do Nordeste e do coronel do sertão. Crimes organizados contra líderes sindicais, trabalhadores rurais, ecologistas e prefeitos, obrigando a um grupo de mulheres a organizar no Piauí a União das Viúvas de Prefeitos Assassinados. Preso o coronel Hildebrando, o da motosserra, o governador do Acre foi condenado à solidão, mulher e filhas vivem fora do estado. Promotores públicos que investigam venda de combustível adulterado, falsificação de medicamentos e propaganda enganosa não podem parar no sinal de trânsito. Aguarda-se a bola da vez no futebol.
O extermínio dos prefeitos de Campinas e Santo André envergonha a locomotiva paulista de Jânio, Quércia, Maluf e Pita, no garbo da comemoração da Revolução Constitucionalista de 1932 com um sabor de separatismo, e nos obriga a cair na real de que ninguém está mais a salvo, desde parlamentares e juízes na terra encantada dos alvarás de soltura e de liberação de verbas pros seus currais, até “nóis”, parados feito bestas, nos semáforos, com o perdão da má palavra.
A sociedade perdeu o controle diante de uma taxa de homicídios três vezes maior do que a nação mais poderosa do mundo, e se as negociações se arrastam, mutilam-se as vítimas. A peso de ouro, ex-militares de tropas de elite do Exército, recém-saídos de anos de caserna, graduam em táticas de guerrilha urbana e sobrevivência na nossa selva a primeira turma de paramilitares que garantirão a segurança de traficantes. Direitos humanos agora é proteção e segurança, as ramificações criminosas se espalharam pelas diversas áreas de negócios e da política, e o modelo começa a ser clonado. A exemplo do que vem ocorrendo na Colômbia, se considerada a falta de respeito total à autoridade constituída. Um insofismável recado na secretária eletrônica das instituições brasileiras e contra todos que se interponham contra os interesses do crime organizado.
Quando a onda de seqüestros equaliza as vítimas pelos sinais exteriores de riqueza medidos pelo termômetro tupiniquim, é porque há esperanças na democracia. Agora, se orquestrada uma conspiração política para desestabilizar a oposição em prol do favorito da Corte por quem detém os cordéis da economia, é não respeitar os limites entre a função pública e o interesse particular, somente nos restando uma Operação Mãos Limpas como a desencadeada pela Itália que culminou com a dissolução dos partidos políticos da época, zerando a pedra. Caso contrário, Osamas proliferarão emergindo do pântano que semeamos e plantamos.
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