Você conhece alguém que não esteja sempre com pressa durante a semana? Já reparou como o tempo parece ser cada vez mais escasso? Tenho ouvido muito o seguinte comentário de várias pessoas: “Ultimamente o tempo tem passado tão rápido. Parece que os dias voam!” Será que ninguém parou pra pensar que não é o tempo que passa mais rápido e sim as pessoas que estão correndo? Ninguém percebeu ainda que quem anda voando não são os dias e sim as pessoas? O problema é que os seres humanos não foram feitos para voar e sim para andar. Por isso, a grande incidência de quedas, falhas nas decolagens e estragos nos pousos. Afinal, o que acontece quando os homens-pássaros precisam parar abruptamente? É queda na certa!
Para quem não entendeu a metáfora, eu explico. O que acontece com o sujeito que trabalha compulsivamente durante horas a fio do dia, período em que é pressionado pelos colegas de trabalho, pelos clientes e pelos chefes, para entregar tudo bem-feito e no prazo? Já reparou como os prazos estão cada vez mais curtos e a quantidade de tarefas diárias cada vez maiores? “A única coisa que não aumenta é o salário”, você deve estar pensando. Pois bem. Quando esse sujeito chega em casa, demora para “desligar” do trabalho. “Será que ficou faltando alguma coisa? Será que o chefe gostou do meu relatório? Ai, meu Deus, tenho tanta coisa pra fazer amanhã!” São tantos os pensamentos rondando a cabeça do pobre-coitado que ele nem consegue saborear o jantar direito. Sequer repara no sorriso iluminado do filhinho ali ao lado, doido para brincar com o papai e a mamãe exaustos da lida.
E quando pinta um feriado ou férias, sem viagem? Será que eles sabem o que fazer no tempo livre? O que eu já ouvi de gente dizendo que não consegue ficar 30 dias de férias, porque não agüenta ficar muito tempo “sem fazer nada”, não tá no gibi! É impressionante! Parece que não ter nada pra fazer é um pecado. Aliás, a questão da culpa é outro fator importante. Por que as pessoas se orgulham tanto de dizer que estão atoladas de trabalho, “ralando muito”? Já reparou como a sociedade condena quem trabalha pouco? Quantas vezes você já não olhou torto pra alguém só porque ele não sofre tanto como você para ganhar dinheiro? “Ah, fulano não faz nada, só fica lá na cadeira de chefe dando bronca, ganhando o dinheiro que eu suo para conseguir para a empresa. Beltrana é uma fútil, dona de casa, não sabe o que é ter problemas na vida. Sicrano também, já nasceu rico. Fulaninho não conta, está aposentado.”
O que me motivou a escrever esse artigo foi a leitura de duas matérias muito interessantes da Revista Vida Simples, uma sobre culpa e outra sobre decrescimento sustentável. Esse nome estranho é uma tese, desenvolvida pelo economista e filósofo francês Serge Latouche, que vem chocando o mundo ao criticar o crescimento econômico promovido pelos estados. Latouche defende com ardor uma suposta “descolonização” do nosso imaginário e uma mudança de comportamento mais ativa para salvar o planeta do esgotamento de recursos naturais. Em entrevista concedida a Igor Olszowski, ele alerta que a mensagem não é somente reduzir o excesso de consumo e os danos ecológicos, mas também reduzir a quantidade de trabalho. E a idéia não é trabalhar menos para ganhar mais e sim trabalhar menos para que todos possam trabalhar e viver melhor. “Assim, teremos mais tempo livre para gastar com coisas que realmente valem a pena. Escutar música, dançar, jogar, pensar ou mesmo não fazer nada”, afirma o pensador.
No entanto, ele alerta: “ao contrário disso, nós nos tornamos viciados no trabalho”. E é exatamente aí que entra a questão da culpa, tão bem aprofundada em outra matéria da Vida Simples, de autoria de Mariana Sgarioni. “A culpa é um sentimento que parte de alguém que transgrediu (ou acha que transgrediu) alguma norma, seja ela social, seja legal, moral, ética ou religiosa. É a violação de alguma regra que pode ou não ter causado dano a alguém. …Ela nos faz perder o sono, traz dor no peito, nó na garganta…”
Ainda não entendeu a ligação das duas matérias? Elementar, caro leitor! A tal da culpa faz as pessoas trabalharem feito burros de carga e viverem correndo como se o mundo fosse acabar amanhã. Afinal, elas têm medo do desemprego, medo de ficar pra trás, receio de serem taxadas como desatualizadas, vagabundas ou boas-vidas. Elas se martirizam pelo sentimento de culpa por não terem dinheiro para bancar todo o luxo e o supérfluo que a mídia faz questão de esfregar na nossa cara como se fosse necessidade básica. Entendeu a conexão?
É por isso que eu assino embaixo do que diz Sérgio Latouche. “O consumo traz cada vez menos a felicidade…O estresse tornou-se um problema grave em nossa sociedade. Mas ao mesmo tempo somos viciados nesse estilo de vida. Necessitamos de uma terapia…Nós quase precisamos de um curso de desintoxicação para reaprender a viver. E, nesse ponto de vista, o decrescimento é uma arte de viver.”
Mariana Valle
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