“Denise está chamando” é um filme que começa no dia seguinte a uma malfadada festa, a partir de uma ligação telefônica que vai se desenrolando em várias outras ligações e mais ligações, que acabam se tornando uma grande teia de relações entre amigos. Que evoluiu para um envolvimento entre eles e o modo com que cada um necessita do outro para preencher sua vida da forma como puder. Através de relacionamentos quebradiços e de saúde fraca, construídos pelo medo de serem largados sem mais nem menos, onde não é muito necessário o contato pessoal mais amiúde, senão a corda arrebenta do lado mais fraco. Pois que assim seja.
Laura ficou perplexa diante da atitude de Clovis procurar Benício. O atual namorado procurar o anterior para descobrir onde errou com Denise?
Logo a Denise, a amiga que fala pelos cotovelos e não se dá conta de sua linha de raciocínio surtada, podendo resultar na dor de ser traída, ou de ela mesma trair. Pois quem é vil, sempre se surpreende quando passa a ser alvo da vileza do outro.
Mas se Laura já tinha encomendado um filho com Benício! Laura não tem vergonha de afirmar o que pensa – a moral oscila de acordo com suas conveniências. Libera tanta emoção e espontaneidade, mas mantém bem escondida a pretensão de reverter o dogma de que a existência de amantes oxigena o sangue dos homens. Ela não se garante e seria incapaz dos desatinos de Denise.
Como o de baixar uma das alças da camisola e exibir o bico gordo e firme do seio, ao mesmo tempo em que, lentamente, cerra os olhos, se oferecendo para que Clovis mergulhe naquelas águas turvas. Em sonho.
Não, definitivamente não! Clovis não quer repetir mais o mesmo erro! Amor é para ser vivido, sofrido e matado o desejo. Se não puder ser compreendido e reconstruído, adeus! Desanimado de partir para um novo encontro e cicatrizar feridas, deixa-se levar pela correnteza de relações efêmeras e precárias.
Por um lado, Laura ficou com inveja de Denise por despertar o desejo de dois homens tão interessantes. Embora declarações de amor em cascata sempre constrangessem Laura; implícito, existe um caráter de desafio que afronta e confirma que os homens mentem a respeito do amor.
Por outro lado, Laura sentiu admiração pelo romantismo de um homem apaixonado procurar o seu suposto rival, para conversar sobre a mulher que ele também já tinha amado.
Laura, em toda a sua vida, nunca viu ou ouviu algo parecido. Não soube definir o que seria, talvez uma ausência de orgulho da parte de Clovis. Não, não é, nem tampouco falta de auto-estima ou de amor-próprio. Ou, então, Clovis deveria estar muito mal, transparecendo um movimento de alguém desesperado.
Claro, Clovis leva um minuto para se explicar, enquanto os outros levam dez. Mirou no seu fortalecimento de espírito ao trocar idéias com Benício a respeito de Denise. Para poder se retirar de forma discreta e íntegra. E se resguardar quanto à serpente da vingança – por temer que Clovis viesse a desmascará-la, Denise fechou questão, classificando-o de têmpera violenta, insinuando que a maltrataria, um dia.
É melhor reconhecer primeiro que perdeu, para depois ganhar substância.
Benício voltou para casa muito estranho. Quando Laura tentou saber o que aconteceu no encontro, ele foi monossilábico e não quis muito assunto. Laura entrou em paranóia: vai ver que ele se arrependeu de ter terminado com a Denise e irá voltar para seus braços.
Benício não era bobo, nem estava cego de amor. Nunca conseguiu amar de corpo inteiro e sequer sabe viver com outra sob o mesmo teto. É a personificação do clichê do homem, no seu eterno blablablá de não poder abrir seus sentimentos; mas que ele ficou mexido, isso ficou. Se com Clovis ou Denise, um segredo sepulcral.
E pensar que, naquela noite, havia três mentes em ebulição por causa de Denise, enquanto ela dormia tranquilamente em casa.
Foi o último canto de sereia da Denise. Faz parte da dinâmica astrológica, no curso dos acontecimentos terrestres, astros perderem seu magnetismo, o brilho se apagar, caírem no vazio e distanciarem-se de sua galáxia. Denise sempre voou baixo, banalizando o dom de sua hiperatividade e intuição fantástica; nunca caiu em si. Até se extinguir sua luz e cair em desgraça. Denise não mais chama, reduzida a poeira fantasmagórica.