Dzi Croquettes revolucionaram os palcos na década de 70, em plena ditadura militar, com homens de barba e pernas cabeludas à mostra em trajes femininos e de sapatos plataforma, impregnados de purpurina, fortemente maquiados e com grossos cílios postiços. Transformaram-se num grande mito do teatro brasileiro e conquistaram prestígio na vanguarda de Paris, graças ao reconhecimento de Liza Minelli, sua madrinha, que os convidou para fazerem carreira em Nova York e participarem de musicais em cinema e na Broadway – perderam-se no meio do caminho com saudades do feijão com arroz.
Ao melhor estilo do teatro cabaré, os shows alternavam esquetes no gênero clown, com pezinho na Carmen Miranda, danças românticas em dupla de homens vestidos de mulheres – não equivalente a um par gay. Figuras caricatas e bissexuais de Hitler, Chaplin, padres e freiras, enfim, quem eles pudessem desconstruir num humor sarcástico, provocativo e inteligente, em vários idiomas, cuja marca era a sensualidade.
Não era somente um espetáculo gay, como se comentava na época, pois abriu canais para toda sorte de sexualidade, tanto que os Dzi atraíram psiquiatras, militares, velhos, donas de casa que não aguentavam mais ser caretas e mal continham um grito engasgado na garganta: liberou geral!
A fórmula teatral saiu da cabeça do croquette Wagner Ribeiro, mas de vital importância foi o extraordinário dançarino e coreógrafo Lennie Dale – cuja genialidade não coube na Broadway e graças a Deus veio parar no Brasil. Imprimiu um profissionalismo de categoria internacional para montar números musicais com os 13 integrantes do grupo, visível no domínio de técnicas de balé, sapateado e canto, bem como primarem por uma forma física invejável que seduzia homens e mulheres, independente da preferência sexual.
Dos componentes originais, oito já não estão mais conosco. Cinco não conseguiram sobreviver ao que se convencionou chamar na década de 80 de câncer gay – a aids. Os outros três foram cruelmente assassinados, provavelmente vítimas de ataques homofóbicos devido à violência empregada, que só encontra paralelo em execução de quem não honra dívida com drogas.
Os diretores Tatiana Issa e Raphael Alvarez produziram o filme “Dzi Croquettes” quase sem haver imagem ou mesmo livro em que se basear, afora os valiosíssimos depoimentos de contemporâneos, coparticipantes e amantes da arte, que reconheceram nos Dzi Croquettes os precursores do humor besteirol no teatro e na inesquecível TV Pirata. No brotar das Frenéticas e na explosão de Ney Matogrosso.
Poucos registros históricos do que fizeram no Brasil e imagens apagadas pelo regime militar foi a reação cruel e silenciosa do sistema aos Dzi Croquettes, por questionarem com muito escárnio e sagacidade valores e práticas da cultura dominante da qual faziam parte, a ponto de ferir os brios de quem necessita de um pobre mundo para se encaixar e só se compraz com queima de arquivo.
Mais do que um excelente filme para tirá-los do ostracismo, os Dzi Croquettes precisarão dos poderes de um mago como Paulo Coelho que, inicialmente reticente, acabou por reconhecer a sociedade alternativa criada em conjunto com o seu parceiro Raul Seixas, cuja lucidez se tornou conhecida pelos que não são maluco beleza.
Dzi Croquettes e Raul Seixas, como símbolos da contracultura, deixaram um legado para formar uma sociedade alternativa a quem se esforça para ser um sujeito normal e fazer tudo igual.