Eis que o Brasil se africaniza e abraça a cruzada contra a fome ao eleger Lula, depois de exaurir a última década do século XX na tentativa de se inserir dentre as maiores economias do mundo, uma megalomania ufanista que valera o insulto de antipatriótico e jurássico a quem se postara em oposição. Chegamos a alcançar a marca histórica de oitava economia, mas perdemo-la para Canadá, México e Espanha, na rabeira de um esforço que consumiu nossos recursos no pagamento de juros de uma dívida que cresceu ao montante de 60% do que produzimos. Devido à nossa imaturidade, desprezamos a via do crescimento sustentado empreendida pela Coréia, que nos ultrapassará, quando há 30 anos correspondia a apenas um quinto da economia brasileira.
Portanto, a desvairada flutuação do câmbio foi menos pelo risco Brasil do Lula e mais pela decomposição da alardeada estabilidade da era tucana, cuja fragilidade não fez face aos suprapoderes colocados à disposição de um presidente sempre bem humorado, a rabanar o real manto vermelho de Doutor Honoris Causa.
Outro que perdeu o fôlego foi o maratonista Abílio Diniz à frente do grupo Pão de Açúcar, prestes a completar 55 anos de atividade. Em tempo de capitalismo submisso à Senhora Rentabilidade, através de uma leitura acurada do mercado, daquelas que enxerga com olhos de lince se o risco do negócio comporta crescer ou entregar o ouro ao bandido, a família decidiu desocupar os cargos de direção e de mando efetivo sobre os negócios da empresa, tornando mais transparente a administração para tentar atrair novos investidores.
Quando o sócio francês Casino, concorrente do Carrefour na Europa, adquiriu um quarto do controle do Pão de Açúcar, sabia em qual porta enfiar o pé e invadir a casa alheia. Mais dia menos dia, sufocaria a empresa familiar pressionando pela profissionalização como condição para realizar novos aportes de capital. Traduzindo o economês: aumentar sua participação em ações com direito a voto, para, no futuro, engolir o sócio que deu nome, tradição e dignidade na ventura de um dos milhares de imigrantes que escolheram o Brasil como a terra da esperança.
Bem digerido, prepararia para se consolidar como empresa líder do setor no Brasil e partiria para desbancar o rival na Europa, e depois, quem sabe, lançar-se a outro empreendimento mega. Ou, se suficientemente milionário como os Diniz, vendê-lo, bastante valorizado, para algum capitalista que nada mais faça senão comprar e vender empresas, porquanto sustenta um time de profissionais regiamente bem pagos para cuidar desses abacaxis.
Diniz nega peremptoriamente que irá entregar o ouro, embora sua filha Ana Maria não esconda a tristeza ao ver escapar o controle de suas mãos, a sucessão encarada como um direito real ou um filho que se esvai. Nada que impeça seu pragmatismo de se aventurar em outros projetos pessoais em sociedade com bem-dotados da irmandade empresarial estrangeira, o dinheiro importa mais que o poder.
Importa sim manter o curso da astronave do capitalismo no olho por olho, dente por dente, como bandeira para vender os sonhos de um imigrante, pois Diniz comunga do mesmo descrédito no sucesso de empresas familiares depois que elas adquirem certo porte. Põe fé num capitalismo apátrida que circula por internet e ignora alfândegas, para transitar o capital por onde ele proporcione frutos sem correr o risco de ser seqüestrado ou depauperado por políticas sociais que não cabem entrar no mérito do negócio.
Quando retiram o antigo patrão do trono e o assentam num Conselho de Administração, a primeira conseqüência é deixar de imprimir sua marca à gestão e passar a transmitir seus conhecimentos sobre o negócio que mais conhece no mundo. Aconselhando, mas sem dar ordens.
Engrossando a confraria dos tigres desdentados que não enxergam um cerco que cada vez mais nos garroteia, isolados em ilhas que se encontram, devotados aos seus interesses de rei Midas, protegidos por grades, blindagem e seguranças, separados da massa por obra e graça da incessante alienação encetada pelo meio editorial ao promover livros de cabeceira do tope de “Seu Creysson – Vidia i Obria”.
Tirando vantagem do charme do momento, de se expressar sem o apuro na concordância e na regência, ou com a língua presa, prejudicando o aprendizado já precário do 2º grau, sob o pretexto incontestável de fazer humor. De mesmo conteúdo ideológico, estão na bica para serem aprovados no Rio de Janeiro, fundos de combate à pobreza e às desigualdades sociais, tornando gratuito laqueaduras e vasectomias, pautados pela desculpa de se acabar com a pobreza na fonte e sob o pretexto humanitário de diminuir o fosso que separa os que falam certo do errado.
Somos um país de crentes em João de Deus, por favor, poupem o Papa de mais esse desgosto, iria fazê-lo corar de vergonha de seus fiéis brasileiros. Nada que não possa se resolver com acesso à informação, uma leitura que distinga o preto do branco, uma conscientização que eleve sua responsabilidade em conjugação com o futuro. E emprego, para dar sustentação ao pacote cidadão.
Caso contrário, nobres deputados que defendem a esterilização em massa continuarão a confundir vasectomia com castração de animais, “o homem apenas deixa de ejacular na vasectomia, não acaba com o interesse sexual”, quando o que não mais produzirá são espermatozóides, que, na fisiologia deles, guarda profunda relação com seus neurônios.
Até para a sinceridade há limites, é quando você entrega o ouro para o bandido. Senão, abusam.
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