Schopenhauer (1788-1860) foi o primeiro filósofo a proclamar que o âmago do mundo é irracional, fundamentalmente oposto à inteligência e à razão, enaltecidas pelos gregos e exaltadas no Iluminismo. O poder de fato que causa todos os sofrimentos. Os seres humanos não passam de objetos da vontade – a raiz metafísica do mundo, a essência de todas as coisas -, para alcançar seus objetivos e perpetuar a espécie. Refutou categoricamente a conceituação que vinha desde Aristóteles, uma extensão inseparável do conhecimento, a vontade.
Por ser um ímpeto cego e irresistível, a causa primeira e irredutível do Ser, a fonte de todas as iniciativas, o instinto gratuito que detona a potência do querer viver, a única e verdadeira realidade num mundo no qual todo o resto é pura aparência ou mera representação, a vontade é insaciável. O que a vontade sempre quer é a vida, o palco onde a manifestação da vontade representa. Em busca da satisfação ou do que comumente chamamos de felicidade.
Por havermos perdido contato com a Mãe Natureza, conectados à internet e filhotes da globalização, estamos, cada vez mais, menos cônscios de graças e vantagens com que nascemos ou adquirimos, que fariam jus a orações e pensamentos positivos em louvor. Mas não, não lhes damos o devido valor, consideramos apenas como coisas naturais, nada que nos retire da rotina e do insípido papel a que nos relegamos, posto que desacreditamos na vontade política de mudar o atual estado de coisas ao transferirmos a responsabilidade para os eleitos e lavarmos as mãos, o voto cínico de quem critica a arquitetura do projeto e não quer se comprometer com a distribuição mais eqüitativa das benesses que a sociedade amealha e com a ampliação dos direitos do cidadão.
Como resultado, privação, perdas, corrupção e retardo na evolução em linha direta com os aquinhoados através da insegurança e criminalidade desvairada. Só depois de perder o que mais amamos ou necessitamos é que ficamos sensíveis ao seu real valor. Acostumamo-nos a descrer da honorabilidade do aparelho policial e do senso da Justiça, com o interesse público lançado em pocilgas. O que proporciona uma satisfação de sinal negativo, de conformismo a um mundo de expiações, pautados pela aflição e preocupação em nos manter íntegros e dignos para evitar maiores sofrimentos, em meio à dor de amar, inveja, ambição, ódio, ciúme, angústia, avareza, e fracasso.
O que levou os cínicos a se valerem do Marquês de Sade e vincularem a dor do menos pior melhor do que o pior, ao prazer do melhor ser inimigo do bom. Uma confluência mafiosa que nos desvencilha da ilusão de que agimos racionalmente, estamos a serviço da irracionalidade da vontade de querer viver, o que nos obriga a guerrear para evoluir, graças a essa força tirânica, voraz e brutal que rege a nossa espécie.
Esses convictos na impossibilidade de conciliar lei com virtude mereceriam percorrer, sob vara, os corredores de hospitais, enfermarias, salas de cirurgia, presídios, delegacias. O parco interior dos barracos, a escura morada da miséria. Os campos de batalha e locais de execução sumária. Retribuirão, decerto, com uma fria curiosidade, em contraste flagrante com o olhar de dois amantes quando se entrecruzam ávidos de desejo e dispostos a modificar o estado habitual das coisas. Servil, só ao amor.
Somos suficientemente orgulhosos para nos declararmos perfeitamente livres e virarmos a vida pelo avesso, nos tornando outra pessoa. Posteriormente, descobrimos que a liberdade, apesar de todas as reflexões e resoluções, é um bem raro. Sujeitamo-nos a necessidades e aceitamos o papel que havíamos condenado, representando até o fim.
Escolha sua opção: esperança ou medo?