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ESTAMOS PERDIDOS

Estamos perdidos diante do sorriso irônico do traficante Fernandinho Beira-Mar. Sem precisar arrombar uma porta e armado até os dentes dizimou facções adversárias que não se curvaram perante a supercorporação que deseja formar atrás das grades de um presídio de segurança máxima, exceto quanto ao estigma da corruptibilidade de todo homem ter seu preço. Que tal adaptarmos o Big Brother aos interiores das prisões e nos investirmos em controlarmos as autoridades de segurança para pôr um termo nas balas a esmo que se alojam no cérebro de nossas famílias? 11 de setembro por 11 de setembro, terrorista por terrorista, a Palestina é aqui, se a coroa de flores na sepultura dos inimigos comerciais massacrados lembra que nem Jesus Cristo escapou dessa.
Conseguiram quebrar a barreira da integridade que divide o bem do mal, ao assistirmos presos de alta periculosidade em ménage promíscua com o aparato policial, comendo maçãs e sonhos – o doce -, fumando prazerosamente, em trajes que evocam mais uma praia do que uma penitenciária recém-depredada, depois de carbonizarem Uê e substituírem a bandeira brasileira pela do comando.
Num bloqueio que equivaleu a quase metade da cidade, lojas e escolas foram fechadas, bancos receberam ordens de não abrir a burra, pais se encerraram com seus filhos em casa, até posto de gasolina e cabeleireiro não se aventuraram, sob o olhar vigilante do alto do morro, através da visão telescópica do fuzil que dispara 700 vezes por minuto. À espreita de iniciar uma nova guerra na disputa pelo controle dos pontos de drogas e ascender à 1ª divisão de empresários que desafiam a intelligentsia política, dão um nó tático no pensamento politicamente correto, fazem a mídia perder as estribeiras, impõem toque de recolher aos boêmios, bloqueiam vias expressas à revelia da polícia. Cidade de Deus!
Sua leitura preferida, “A assustadora história da maldade”, nos induz a respeitá-lo nem que seja por medo de seus advogados, que pediram educadamente à imprensa não fotografar nem filmar o cortejo da cerimônia do enterro de Orelha, Pid – de Eupídio – e Robertinho do Adeus, os desafetos de Freddy Seashore. Sob pena de pôr em risco a integridade de fotógrafos e cinegrafistas, bem como das famílias enlutadas.
Reproduzir Carandiru seria morte certa nas eleições, muito embora o eleitor não encontre lógica em sustentar marginais condenados a “n” encarnações na prisão – sem considerar sua pequena vida útil. O justiçamento de Fernandinho seria a via mais óbvia. Se não acendesse um rastilho de pólvora que implicaria em descer os bondes e tocar o terror, metralhar escolas, promover arrastões, retaliações contra a população inocente para mostrar que estão presos, mas não mortos. Uma vingança de quem não tem nada a perder, cuja atual existência é considerada como perdida, desperdiçada, inútil, embora esteja tudo dominado, o lucro é de tal ordem que compra quem eles quiserem.
Poupado foi, porque tem poder de fogo. Desarmados de cidadania assistimos sobressaltados. O que lhe confere um grau de magnitude que o faz pensar em se ombrear com candidatos a presidente ou governador, cujas promessas deixaram de se vincular a bandido bom é bandido morto ou a rotundos “não” em comícios do Maluf quando ameaça pôr a Rota nas ruas.
Seria um sacrilégio lançar mais um fernandinho à Presidência e um insulto à inteligência do eleitor, mas será que não dava para comprar um uniforme de presidiário bem zebrado, ou mesmo um crachá que pudesse diferençar eles de nós? Ou seria nós deles? Que confusão misturar pavio curto, paz e amor e serra para descobrir que não estamos perdidos, estamos nos achando, que Rosinha Garotinho é Roseney, a Roseana Sarney como fenômeno eleitoral que emplacou, que Collor chama o adversário em Alagoas de rosinha, os desviados de comportamento segundo o sexólogo collorido.
O sistema criou o bicho solto, sem comer proteínas na infância, sem frontal, um matador, ser humano animal, sem limites, excluído de grifes que realçariam seu prestígio pelo respeito que impõem, uma provação que já nasce no berço e o condena à falta de oportunidades. Agora o exército é outro, o conformismo se destina aos crentes, é pensar pequeno em apenas sobreviver nessa selva, negócios deste gênero só vão pra frente se pegar em armas, foi assim em outras revoluções, a diferença reside no profissionalismo.
Esperar por mais quantas gerações que vêm sendo criadas sob o signo da injustiça, sem chance de ambicionar a nada, cujo peso da responsabilidade arqueou sobremaneira o Papa, diante da iminência do resgate da dívida do branco para com o negro por conta de escravização, tráfico, exploração, alforria, até chegar num estágio democrático que necessite do sistema de cotas no emprego e na universidade para contornar preconceitos.
Tempos que geraram uma atmosfera talibã em que o dominado se recusa a dar a sua cara a tapa para o dominador, a prosseguir encenando o mesmo teatro, que se recomece tudo de novo!

Antonio Carlos Gaio:
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