O filme “Eu, Daniel Blake” é a história de um trabalhador honrado que labuta por 40 anos até sofrer um ataque do coração que o condena ao repouso. Sem renda, se vê enroscado num labirinto burocrático por entre a perícia para atestar seu estado clínico, seguro desemprego e apoio financeiro do Estado com esperas absurdas ao telefone para agendar, entrevistas humilhantes e kafkianas, preencher formulários em computador sem ele nunca ter feito uso, atendido por funcionários de empresa terceirizada americana que, em nome do Estado, discute problemas de saúde sem nada entender do assunto, e apenas preocupados com que o Estado não seja passado para trás pela classe operária. Nessa trajetória desumanizante, Daniel encontra uma mãe solteira com dois filhos, obrigada a se mudar para Newcastle porque o sistema diz que não há lugar para alojá-los em Londres, uma cidade com 10 mil moradias vazias. Daniel se torna um pai para a mãe solteira e um avô para as crianças. Todos revelam entre si o único bem que detêm: a humanidade, o único atributo do ser humano para lutar contra a indignidade do monstruoso aparato burocrático do Estado que os condena. Aos 80 anos, o diretor Ken Loach foi o vencedor do festival de Cannes/2016 (pela segunda vez) com “Eu, Daniel Blake”, sempre realizando filmes sobre os menos favorecidos, sejam eles quem quer que seja esmagado pelo Reino Unido, aí incluída a Irlanda do Norte. Loach não se vale de nenhum truque para comover, bastando essa realidade nua e crua com uma cena final que deixou a plateia muda e envergonhada de ser conivente com um mundo a que responde com omissão. Essa é a forma como o capitalismo se desenvolve. As grandes corporações concentram a exploração da economia e isso gera um vasto contingente de pessoas pobres, as quais o Estado se exime de apoiar, seja porque se recusa ou alega que não tem recursos. Isso acaba por criar um sentimento de inferioridade e baixa autoestima a induzir o pobre a achar que a culpa de sua miséria é dele. Quando se trata de uma escolha política nascida das demandas e imposições do fator capital, do deus Mercado e dos especuladores. Bingo para o Estado que deseja que o trabalhador morra no seu posto e não se aposente, saneando as finanças do país! Ladrão da dignidade do povo! Sempre encontram histórias para demonizar os pobres ou os migrantes, como gente preguiçosa, relaxada, que apela para o vício, gera muitos filhos, compra televisores grandes, celulares caros, quando existe uma determinação dos meios conservadores para não abordar esse assunto senão incentiva um movimento para pôr o sistema econômico contra a parede. Ken Loach é acusado de veicular suas mensagens políticas em seus filmes quando a situação em que se encontram seus personagens é determinada pela política e suas consequências sempre serão políticas. Ken Loach quer ser lembrado como alguém que não se rendeu. Não se render é importante, porque a luta continua. E as pessoas tendem a se render quando ficam velhas.
Deixe um comentário