O Carnaval surgiu no Rio de Janeiro com Zé Pereira, a comandar um bando de gatos pingados empinando tambores e bumbos surrados sem dó nem piedade. Por entre alucinantes brados, dando uma leve idéia de que cantavam, o espírito de criaturas que gargalhavam e pinoteavam ao encontrarem o clima propício para tapar o sol com a peneira. Ensaiavam trejeitos e rebolados numa tentativa de enxotar das ruas o homem melancólico, promovendo o cruzamento da embriaguez do espírito com o álcool, uma fusão que sempre deu dor de cabeça. O Zé Pereira se tornou o abre-alas, eu quero passar!
Ah, a nostalgia do carnaval que nem bem começava, se sumia de casa e só voltava na quarta-feira de cinzas. Desaconselhável era se casar nas vésperas das festas de Momo. Cabível à esposa fechar os olhos e deixá-lo voltar tarde, desde que sem falta ao leito conjugal. A idéia do Carnaval era aceitar tudo, com naturalidade, sem o menor espanto. Os mais sagrados deveres cristãos consumidos no triunfo pagão da carne e da massa colorida e agitada que transformou o Rio de Janeiro num baile de mascarados.
Eis que surge o cordão de Carnaval, a grande alegria do bairro, como expressão de um ambiente puramente familiar, a temperar os efeitos da água que passarinho não bebe – parati, a danada da cachaça. Tirando som de latas de querosene vazias e apitos silvando o remelexo da mulata que carrega o estandarte, de anca farta e roliça à custa de muita banha de porco. Se sacrificavam para se meterem em indumentárias que justificavam o sonho de uma noite de Carnaval – bulhento, lírico e estonteante -, a cantar “tira o dedo do pudim”.
O bloco dos sujos aqueceu e destacou-se no Carnaval quando adesões formavam um formigueiro humano que atraía às janelas das casas curiosos mergulhados no dilema do “se vou ou se fico”. Jogavam confete e serpentina, pintavam a cara e se entregavam ao bodum do bom e do melhor capaz de reacender a volúpia mantida em banho-maria ao correr de protocolos e etiquetas durante o resto do ano.
A ordem era se travestir. De belzebus que penetravam nas igrejas para infernizar os papa-hóstias. De pierrôs que se tornavam verdadeiros palhaços ao chorarem por colombinas que nunca valeram a pena. De bebê chorão a esqueleto, da vida à morte. Do morcego ao rato. Homens inteligentes vestidos de burro, aos zurros e com feixes de capim debaixo do braço. Ursos em desajeitada coreografia. A graxa como maquiagem:
– Sabe quem eu sou?
– Você me conhece, por acaso?.
– Sabe com quem está falando?.
É gente pra dedéu, gente que deu, gente que apanhou, é gente que ameaçou e fugiu do pau. Há quem durma de touca, que caia do galho ao não ver saída. Concentra mas não sai. Imprensa que eu gamo. Se não quer me dar, empresta. Xupa mas não baba. O bloco de segunda.
O que eu quero mesmo é botar o bloco na rua.