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FASCÍNIO PELA PUTA

Um grupo de homens pertencentes à fina flor da burguesia, com idade variando de 25 a 35 anos, se reuniu para discutir num período fixado em dois anos sobre que rumo tomar diante da mulher que não pára de crescer, igual a fermento em bolo. Coordenado por um terapeuta, a pajelança não definiu se era um conclave de cardeais, grupo de psicanálise ou simpósio de seres preocupados com os caminhos por assumir. Tolinhos, assim pensou o único gay que logo desapareceu, demonstrando uma percepção mais afiada que a dos heteros, visto que não se cogitou de homossexualismo ao longo dos debates, para passar a limpo a insistência em associar homens a super-heróis, no resgate de fantasias que ponham o seu reino aos pés da amada.
Contudo, o que monopolizou as atenções foi a atitude agressiva e decidida da mulher que coloca em xeque a posição do homem e o remete a um labirinto simbólico, onde procura uma saída para recuperar a ascendência dos bons tempos. Diga-se de passagem, labirinto visto da ponte, já que a maioria não se encorajou em percorrer os meandros de seus respectivos relacionamentos, exceção feita a uns gatos pingados sem força moral, pouco aquecidos, desenergizados, mas que demonstravam uma sensibilidade à flor da pele que comovia até a raiz dos cabelos com a sua sinceridade.
A maior parte do grupo acreditava piamente no lema, “quem sabe faz, quem não sabe ensina”, daí a recorrência desabusada à prostituição e a infidelidades, enfiando tudo no mesmo saco. Embutido aí, cunhadas, primas, colegas de infância e turma de rua, companheiras, clientes, a melhor amiga da esposa, e alunas. De empregadas e paquera de rua não se deram nem ao trabalho de mencionar. Ligações perigosas ou não, desfiavam histórias com uma riqueza de minúcias que evidenciava a visão estrábica dos homens e reproduziam a mesmice de sempre, muito embora todo início de novela seja atraente. No entusiasmo de suas proezas, confundiam as estações e as equiparavam a piranhas no frigir dos ovos da excitação.
Mas o que realmente importa é o fascínio pela profissão mais antiga do mundo. O prefeito petista de Ipatinga que o diga, depois de desaparecer com duas prostitutas e se registrar no hotel com nome falso. Descoberto, resolveu se licenciar sem retorno previsto em nome de uma ética que jogou na lama.
Foi quando o terapeuta sugeriu um exercício para se levantar as modalidades de posições sexuais conhecidas na praça. Os participantes logo se puseram a rememorar os melhores momentos, orgulhosos de seus decálogos e know-how; outros, sem imaginação, valeram-se da cartilha. Suscitou tanto interesse que não se trocou de assunto por meses. Os encontros se transformaram em laboratório, observando onde cada braço ou perna poderia dar a sua colaboração e facilitar o orgasmo experimentado, sob a ótica da geometria descritiva derivada do prazer.
Eis que dá o ar de sua graça no grupo, um tipo calado que deixa de bancar o avestruz, inspirado no Estrangeiro de Albert Camus, fuçando qual o sentido nos desejos do homem e o porquê de sua linha preferencial nos conduzir a uma forma de guerra, a relações de poder desnaturadas. O estrangeiro não queria se sentir mais um estranho, um estrangeiro para si mesmo.
Disposto a mexer com a cabeça dos homens, elaborou uma lista digna de respeito evitando a obviedade do kama-sutra, o que motivou reclamação quanto às regras do jogo que deveriam impedir inovações que fugissem à seriedade do tema, afinal, sexo não é brincadeira. Provocou inveja, em sendo o cardápio inspirado no universo sado-masoquista, sabedor de que o Marquês de Sade não fora ainda assimilado depois de passados 300 anos, causando indignação em cambadas de moralistas que se intitulam modernos. Complementou a lista arrolando o que passa pelo imaginário sexual do homem no que diz respeito a domínio, posse e violência sugerida.
À medida que ouviam prazeres metendo os pés pelas mãos, iam se chocando e reagindo como colegiais, inclusive o terapeuta. O estrangeiro pegou-os pelo pé, não esperavam tal sorte de barbaridades, o que motivou uma reação infantil: “Ué, você já fez tudo isso com as suas mulheres?”. Propositalmente não deixou a questão esclarecida, mesmo porque não se tratava de um inquérito. Aquilo gerou um sentimento de raiva indiscriminado contra o estrangeiro, disseminando uma animosidade face à extrema competitividade que grassa entre os homens.
Pensaram em uníssono: Como é que esse estrangeiro pode ter feito isso tudo quando nada disso passou pela nossa cabeça?
De princípio, por educação, disfarçaram a aversão, afinal de contas, o ambiente era de alto nível. Posteriormente, distribuíram farpas, ao que o estrangeiro retribuiu com uma atitude zen, sem se expor por uns bons seis meses, horrorizado com o panorama visto da ponte. Quando, finalmente, decidiu abrir a boca sobre o que pensa a respeito de sexualidade, não aliviou nem recuou, os equiparou a seus velhos pais e avôs, eméritos freqüentadores de prostíbulos.
Soou como denúncia sobre a indigência mental dos homens. Desconsideraram completamente o teor da imputação de ações demeritórias e desqualificaram o relator da matéria, diante da omissão do terapeuta – significando alinhamento com a maioria. E quiseram partir para o desforço físico com o estranho no ninho, que não durou nem mais três semanas entre os companheiros de classe.
O estrangeiro retirou-se com o sentimento de banido, sem clima para contestar o abuso no tempo gasto a discutir sexo, prostituição, vocação para infidelidade, a preferência nacional, mesmo porque se eximiriam pondo a culpa na mãe ou na mulher. Todos se arrependeram tardiamente e pediram que o estrangeiro reconsiderasse. Se fazer mal à mulher significa violar, o estrangeiro fora violado pela insensibilidade desses marmanjos sem graça nenhuma.
Podia ter aberto o jogo, dividido suas mágoas, compartilhado as lacerações de seu coração, confessando que procurava um irmão em seus pares. Mas vai que dá um azar de cão e se depara com abusados com propensão a rixas, esquecidos que tiveram berço e educação. Todo cuidado é pouco. Não eram dignos de sua sinceridade, quem sabe se não eram frutos de uma safra que só agrada ao paladar quando atinge a maturidade?
Deus sinaliza paciência na exploração dessa floresta selvagem com feras, bestas e dinossauros, o terreno é minado, já advertia Lady Di. Embora a verdade do homem sempre conter falhas, lacunas e até contradições, enquanto funcionar bem o suficiente para o saber ao qual se aplica, continuará sendo aceita, se satisfeita a exigência de seu poder, mascarando os defeitos da fabricação do homem ao longo dos séculos – saber e poder estão intrinsecamente relacionados, adverte Foucault.
O grupo não durou muito tempo a refletir sobre os destinos do homem. Dali foram para o pelourinho, o divã da psicanálise, aprender o dever de casa, a título de recuperar algumas matérias em que não se houveram bem. No banco da escola se encontraram em sua patologia, o mais levado da turma deixou de ser fiel a bordéis e tentou a paternidade, seu casamento estava estremecido por falta de tesão.

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Antonio Carlos Gaio
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