A cultura popular demonstra claramente que o machismo ainda estaria presente se não fora a censura do politicamente correto não mais permitir o que outrora se cantava, como em “Amor de malandro”, de Francisco Alves, enaltecendo o malandro, que carregava consigo a fama de boêmio, escorregadio e mulherengo. Por outro lado, sua esposa precisava ser fiel e dedicada: “se ele te bate, é porque gosta de ti”, dizia a música.
Quem não tem um momento de descontrole? Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher. A esposa que sai dos eixos merece um corretivo. Dar uma surra nela porque ela fala demais A própria mulher não se apercebia que era vítima de relacionamentos abusivos para compor a família sólida perante os filhos.
O homem ainda continua saudoso da mulher que coloque uma comida gostosa à sua frente e o faça lamber os beiços, mas não pode mais cantar “Eu quero uma mulher que saiba lavar e cozinhar” (verso da música “Emília”, de Wilson Batista e Haroldo Lobo), quando as esposas da época desempenhavam os papéis de mães e domésticas, as tarefas no lar eram obrigação das mulheres, que não podiam trabalhar fora de casa para não ficarem malvistas na classe média.
“Ai, que saudades da Amélia”, samba que se tornou célebre como ícone da depreciação da mulher, cuja letra brotou do cérebro privilegiado do grande ator e compositor Mário Lago – “às vezes passava fome ao meu lado e achava bonito não ter o que comer”. “Mulheres de Atenas”, em que o genial Chico Buarque pede para mirar no exemplo delas de viverem voltadas para os seus maridos. Momentos marcantes que deram lugar a uma guinada que aconteceu na segunda metade do século XX com a chegada do anticoncepcional, de uma maior participação das mulheres no mercado de trabalho e das mocinhas ousadas roubarem um beijo dos rapazes logo no primeiro encontro.
A mulher dizer o que quer e expressar as angústias femininas nas letras das músicas foi a maior conquista desde os anos 70 – uma fonte inesgotável que não para de verter desejos e anseios. Elas quebraram o mito de que têm menos desejo sexual do que o homem.
Até o legado do homem, de gigante transformar-se em pigmeu, e reagir a este avassalador avanço do sexo feminino na guerra conjugal, fazendo uso frequente da violência doméstica. Ou mesmo do feminicídio, quando uma mulher é morta simplesmente por ser mulher.
O feminicídio pode ser considerado uma forma extrema de misoginia, ou seja, de ódio e repulsa às mulheres ou contra tudo que seja ligado ao feminino, através de agressões físicas e psicológicas, como abuso ou assédio sexual, estupro, escravidão sexual, tortura, dentre outras formas de violência que gerem a morte da mulher.
Diante dessa realidade atroz, que remonta ao passado de caráter feudal, a mulher fica dividida entre gritar, reivindicar e fazer escândalo ou não conseguir sequer pedir socorro, silenciar, e se tornar cúmplice da violência doméstica.