François Fénelon, prelado, teólogo, orador e escritor francês, nasceu no castelo da família, em Périgord, em 6 de agosto de 1651. Tempo em que bispos também podiam ser nobres da alta linhagem, sendo nesse meio que Fénelon circulará a maior parte de sua existência. Ordenou-se sacerdote em 1675, direcionando-se para educar as jovens, escrevendo um tratado, em 1687, na qualidade de preceptor de filhas de duques. Foi preceptor do filho mais novo do rei Luís XIV e herdeiro do trono, o Duque de Borgonha, quando, a título de corrigir o comportamento do príncipe através de fábulas, pôs a dialogar personalidades históricas do passado, empenhadas em reavaliar sua postura e seus próprios atos no curioso e criativo texto “Diálogo dos Mortos”. Em 1697, já como arcebispo, a Santa Sé condena a obra “Explicação das máximas dos santos sobre a vida interior” e ele é privado de seus títulos e proventos. Também cai em desgraça perante o rei, que descobre críticas a seu governo no romance pedagógico “As aventuras de Telêmaco”, em 1699, banindo-o da corte. Aceitou o revés com humildade e recolheu-se a uma vida austera em sua diocese. Deixa transparecer suas esperanças de uma reforma política em pleno absolutismo no livro “O exame de consciência de um rei”, antes de falecer em 1715.
Numa época marcada por reis, nobres e povos se matando por divergências religiosas entre catolicismo e protestantismo, Fénelon destoava pela tolerância com ideias diferentes das suas e afabilidade e benevolência dirigidas a todos com quem debatia, traços marcantes de sua personalidade. No entanto, suas ideias liberais sobre política e educação, já adensadas pela efervescência espiritual saindo por seus poros e malvista pela Igreja, esbarraram no status quo do meio eclesiástico e do Estado monárquico e pró nobre. Mas isso não impediu seu espírito de ser convidado pelo Espírito da Verdade de participar a partir de 1857, junto a uma plêiade de luminares espirituais, na Codificação de “O Livro dos Espíritos”, “O Evangelho segundo o Espiritismo” e “O Livro dos Médiuns”, sob a batuta de Allan Kardec.
Em “O Livro dos Espíritos”, Fénelon realçou que, de todas as imperfeições humanas, o egoísmo é a mais difícil de desenraizar-se porque deriva da influência melíflua da matéria. O homem, ainda muito próximo de sua origem primata, e para cujo entretenimento tudo concorre, não consegue libertar-se de seu ego, não facultando à vida moral predominar sobre a vida material e transformar seus hábitos e suas relações sociais, reduzindo a personalidade às suas legítimas proporções.
Em “O Evangelho segundo o Espiritismo”, Fénelon observa que muitas vezes o que vos parece mal é um bem. Por exemplo, se um homem de bem morre e se o vizinho da casa ao lado é daqueles que não sossegam e compram confusão a toda hora, dizeis que seria bem melhor que este se fosse. Ignora para quem parte que acabou sua tarefa e, o que fica, talvez nem a tenha começado. O espiritismo considera a libertação do invólucro carnal como a verdadeira liberdade, e a existência na Terra um cativeiro. Se a felicidade pura não existe na Terra, sujeita a provações e expiações, o homem a condiciona aos prazeres materiais, ao invés de procurá-la nos desvãos da alma, ávido por tudo aquilo que pode agitá-lo e perturbá-lo, criando propositadamente tormentos que dependiam só dele evitar. Para o invejoso e ciumento não há repouso. O que eles não têm e os outros possuem causa-lhes insônia. O sucesso de seus rivais lhes dá vertigem.
Prosseguindo no “Evangelho”, Fénelon ressalta que mesmo o pior dos homens, o mais perverso, o mais criminoso, possui a chama do fogo sagrado do amor, que é de essência divina. Ainda que rebaixem a lei do amor ao estado de instinto, comprimidos pelo egoísmo. Para alguns, a prova da reencarnação é inaceitável e causa horror, limitados a um círculo íntimo de parentes ou de amigos, quando deveis passar a amar todos os vossos irmãos indistintamente, embora a tarefa seja longa e árdua. Essa lei do amor deve um dia destruir o egoísmo sob qualquer forma que se apresente, seja o egoísmo pessoal ou o restrito à família, à religião, ou à Pátria querida – o limite é a Humanidade. Não há que acreditar na secura e no endurecimento do coração humano; ele cede, mesmo a contragosto, ao verdadeiro amor. O sacrifício de amar a quem vos ofende e vos persegue é doloroso, mas é, exatamente, o que vos torna superior a essa facção. O ódio nos distancia de Deus, o amor é que nos aproxima Dele. A riqueza é representada pelos bens de que somos dotados ao encarnar, e ao não admitirmos ou não empregarmos adequadamente esses bens, estamos em falta com Deus, com o que Ele nos legou.
Em “O Livro dos Médiuns”, quem está imbuído do verdadeiro espiritismo, sublinha Fénelon, vê unicamente irmãos em todos os espíritas, não admitindo qualquer rivalidade, a não ser a do bem. Ensejada pela grandeza de alma, abnegação, benevolência, bondade, humildade, norteada pelo senso coletivo, jamais operando isolado. Estenderão as mãos uns aos outros, como bons vizinhos, que não são menos amigos pelo fato de não habitarem a mesma casa. O que atirar pedra no outro provará que se acha sob interferência espiritual maligna ou obsedado por maus espíritos. A pedra de toque para se conhecer a natureza dos Espíritos que o assistem.
Fénelon ficou conhecido, especialmente nos últimos anos de vida, por suas ideias contestadoras, que por vezes se chocavam com as autoridades eclesiásticas e com o absolutismo reinando na França, em seu apogeu. Já como espírito, confessou que, em sua última encarnação, passou pela tortura de conviver com a ação de pessoas malévolas. Muito embora reiterando que Deus, sempre presente, coíbe, nesta vida e na outra, aqueles que falham na lei do amor ao próximo.