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FOGO SELVAGEM

Há um mês atrás contraí pênfigo vulgar, também chamado de “fogo selvagem”, com um quadro agudo de afecção alérgica da pele com reação inflamatória gerando vermelhidão no peito, ardência no pescoço e produção de escamas. Estaria quase bom finalizando um processo de descamação, se não fossem os efeitos colaterais terríveis dos corticoides utilizados para combater as chagas da enfermidade. Bem lembrou meu amigo Lauri que a descamação em curso no meu corpo se equivale ao rito a que é submetida a águia que, transcorrido um certo número de anos de vida, se dirige para o cume de uma montanha, e lá arranca as penas, unhas e bico, e depois espera que tudo nasça novamente, quando então ela estará renovada e pronta para viver mais uma vez em toda sua plenitude. Mas eu não tenho a visão da águia e, como animal racional, sofro na pele e me abalo com minha frágil condição humana, não me enquadrando de forma alguma nas leis darwinianas de só sobreviver quem for mais forte. Darwin não previu a selva urbana em que as cidades se transformariam com ciclistas sendo esfaqueados, senão rasgados por psicopatas, e a tal da seleção natural acabar por castrar a sensibilidade com o objetivo de nos desumanizar, senão nos lobotomizando para nos adequar e assimilar a espécie humana em seus desvarios primitivos e cruéis, tornando verossímeis os vampiros e a barbárie longe de deixar de ser um pesadelo.

Categories: Croniquetas
Antonio Carlos Gaio:
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