Quatro anos lentamente se consumiram desde que o aniversário de Brasília foi comemorado antecipadamente por cinco jovens, egressos de segmentos representativos de nossa civilização, ateando fogo ao índio Galdino que dormia no ponto de ônibus. Ao se transformar numa tocha humana, correu sem rumo de um lado para o outro, e morreu lúcido e consciente com queimaduras que chegaram a atingir o tecido gorduroso e as terminações nervosas – uma maldade que não fariam com o seu cão rottweiler de estimação.
Queriam fazer apenas uma brincadeira com dois litros de álcool, inspirada numa pegadinha de TV, para dar um susto e vê-lo sair correndo. Seja cobertor ou roupas, excita ver o fogo se espalhando, Nero fez arder Roma, Hitler pôs fogo no Reichstag. No entanto, não pretendiam feri-lo, muito menos imaginaram que o pataxó iria morrer, foi a linha de defesa para livrá-los da cadeia, afinal de contas, quatro anos atrás das grades é mais do que suficiente para esses futuros tribunos sentirem o gosto das nossas leis antipáticas a cafuzos e mamelucos.
Não tem pena máxima que pague a vida de uma pessoa, satanás não merece perdão nenhum, segundo Dona Minervina, mãe de Galdino, ao abandonar o recinto e os ícones fetichistas de seus ancestrais para flechar no peito os católicos. Ainda bem que não ouviu a chamarem de silvícola, termo banido dos compêndios jurídicos por associá-lo a selvagem, injúria preconceituosa defasada no tempo e no espaço.
Não teve engulhos para suportar o julgamento presidido por Sandra de Santis, mulher do presidente do Supremo Tribunal Federal, quando a juíza declarou não haver nada demais continuar à cabeça do caso, embora já tivesse se pronunciado em relação aos fatos, considerando desmedido acusar os meninos de torpeza, tocaia e premeditação.
Rola no inconsciente coletivo uma incontida agressividade de calígulas que adoram incendiar mendigos e índios aculturados, rotulados de escória da sociedade, por obcecados na limpeza étnica e na assepsia da sociedade, os verdadeiros herdeiros da eugenia que desembocaram na clonagem tão-somente para melhorar a genética que não falha, até alcançar o objetivo final: desenraizar os indesejáveis e excluí-los.
Não distinguem índio de mendigo, o que ao invés de aliviar, só piora a História do Brasil. Baseado na realidade flagrante e perturbadora das metrópoles, em que os mendigos emporcalham com suas necessidades fisiológicas as marquises dos prédios onde moramos e de onde se protegem das chuvas – creolina neles é o analgésico utilizado. Dormem nas areias da praia onde se misturam aos cachorros da classe média em seu frugal passeio ao ar livre – micose em nós. Se alojam nas caixas automáticas dos bancos e em lanchonetes, livrando a cara da fome com milk-shakes e hot-dogs, inchando a barriga de gordura que alimenta e faz crescer os vermes responsáveis pela manutenção dessa política que nos deixa indignados com vontade de recolhê-los, à semelhança do que faziam com os cachorros, sob a condição de que sumam de vista.
Apenas porque estragam nosso bairro, pelo qual pagamos um imposto escorchante, para ter direito a usufruir de nossa inútil paisagem, bem provido, bem alimentado, bem vestido, bem calçado na erva que devemos todo mês, na incerteza do dinheiro bem aplicado.
Fez-se a justiça dos homens. Não satisfaz nem consola, porque não restitui aquele que nos foi subtraído, sem lei e sem alma. Quanto à justiça divina, os pais da gangue já sentem, no pescoço, o fio cortante da guilhotina, na boca, o gosto de cabo de guarda-chuva, amargando o castigo que veio antes do tempo. O inferno é aqui, que desgraça ter filhos incendiários que imolam almas, sem propósito de nada! Onde foi que eu errei, ao lhes dar tudo para não darem valor? O que seria melhor, educar na falta ou criar na abundância?
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