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ÍMPAR

O ímpar é o espírito de porco, só serve para atrapalhar a existência do par. É o terceiro vértice do triângulo amoroso que surge para tumultuar o par do casal formado.
O ronco no não ter com que encher a pança gera um trauma ímpar, que só serve para atrapalhar um problema sem par: a fome. Se ser rico é fazer dieta, preferível ser pobre para comer pra caramba.
Como é que pode chamar o português de burro se achou o Brasil e fincou raízes em verdadeiros paraísos? Primeiro, em Porto Seguro; depois, na Baía de Guanabara – isso é ímpar. Construindo o espectro do Brasil decepando a três por dois o pau-brasil para utilizar sua madeira em móveis típicos da colonização, de olho nas famílias por se formar – isso é par. Exaurindo-nos, no gozo do prazer ao explorar natureza, índios, mulheres, negros, a marca do estupro na miscigenação que cunhou o povo brasileiro e forjou o sexo no seu inconsciente coletivo – isso é ímpar. Tornamos o estupro inevitável numa dor que se assimilou no equilíbrio cósmico da Bahia e no axé ser divino, visto que se a dor é injusta em algum momento, a recompensa advirá num sistema de compensações loucas para quem acreditar no amor acima de todas as coisas, na construção a dois – isso é par. Levando fé em iemanjás ou santo antonios, pouco importa, o sincretismo sempre superará a eugenia, já que a pureza d’alma se descobre no encontro das águas do rio Negro com o rio Solimões para formar o Amazonas, no ponto em que o mais claro cede e admite o prazer que conhece mas não realiza – ímpar igual a esse nunca vimos.
Há mulheres que julgam fundamental o homem ser encantado por ela para formar o par, de modo a não sofrer dissabores posteriormente; menos-valia e pessimismo ímpares versus praticidade par. Há outras que se julgam acima das bregas, ímpares por acreditarem no seu discernimento e estilo algo invulgares, quando mal conseguem destoar do restolho, graças ao par de antolhos que não desatarraxam nem diante do impiedoso espelho.
Ímpar é sermos condenados à morte pelos bandidos em meio a seqüestros-relâmpago por esquecermos a senha. Quando se mata alguém, a sua família é roubada. Não somente de um ente querido, mas também de seu poder de imparcialidade. Enrijece o coração da família com ódio e os condena à sede de vingança. Mas ceder a esse ódio nunca será a solução. O estrago já está feito. Mesmo porque, depois da vingança, ainda continuamos sedentos. Mesmo vingados, saímos dizendo que o castigo foi pouco para aquele condenado.
E se o bandido mandar correr e atirar pelas costas? Par ou ímpar?

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Antonio Carlos Gaio
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