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JUIZ LADRÃO

O fuso horário trocado para assistir a Copa do Mundo, no compassa do sono, dá margem a confundir Coréia com Japão como se fossem Bahia e Nordeste, geografia com história, budismo com islamismo, comer carne de cachorro com o cachorro do francês, grupos de classificação com coligações políticas, invertendo placares, favoritismo e cor de bandeiras, refletindo a total desinformação que campeia no estado mental preferido do brasileiro: a dispersão.
Salvo na discussão sobre pênaltis assinalados na evolução de faltas cometidas fora da área que derrubam o atacante dentro. Os críticos se atêm à linearidade das regras no afã de demonstrar uma isenção e ética absolutamente paradoxal, num esporte cujos dirigentes hooligans – nas finanças – procuram aumentar a credibilidade de competições sob o olho crítico da TV e milhões dos patrocinadores.
Se esquecendo de que Luizão iniciou sua arrancada próximo da grande área, quanto mais partia pra dentro do gol tanto mais o turco segurava sua camisa, e o juiz dando vantagem, até vê-lo desabar dentro da área puxado por trás e pra baixo, quando apitou o pênalti. O fato de a canalhice ter começado fora da área não significa aplicação burra da regra 12, ou seja, a falta cobrada na origem. Senão beneficiaria o infrator com a barreira que anda e encurta o alcance do tiro direto – a tecnológica FIFA menospreza o spray. Invalidada a tese da origem, menos motivo ainda para assinalar a falta no trânsito da jogada, a lei da vantagem impera. Só falta definir onde a queda se iniciou. Através de uma parafernália eletrônica mais sofisticada que o tira-teima, um photochart sonoro que registre o silvo do apito concomitantemente com o principiar do declive do alazão Luizão para determinar o local do crime.
O assassinato se consuma na primeira estocada ou quando é degolado? Num esporte onde o básico são os pés, a utilização da mão constitui uma indecência, um atentado moral ao pudor do público que exige gols e armações ilimitadas. Por muito menos no basquete se pune com falta técnica e 2 lances livres. Se a mão bolinadora não lhes provoca maiores dissabores, locupletem-se com agarrões, puxões, mãozinha santa, e a mão na bola, tão sem caráter quanto pedir ao faixinha do lado para comparecer no alheio porque você hoje não está com essa bola toda.
Se não existisse o pênalti, o time que proporcionou o melhor espetáculo na primeira rodada é que seria penalizado com o empate, castigado pela infinidade de gols perdidos que tornariam a celeuma irrelevante, e compensando o crime de quem joga na defesa o tempo todo. E se o jogo com a Turquia fosse na fase mata-mata e o juiz coreano não quisesse se comprometer? Iríamos para a prorrogação, não seria absurdo repetir o fiasco das Olimpíadas, eliminados pela morte súbita em superioridade numérica.
Essa novela coreana de quinta categoria não seria exibida se Romário tivesse sido convocado para entrar no lugar de Ronaldinho todo o 2º tempo, a exemplo de Zico em 86. Ele é peixe, arisco, baixinho, o verdadeiro diamante do Topkapi. Turco algum conseguiria alcançá-lo com as mãos sedentas de raiva de pelés que não florescem no orgulho otomano. 1ª conseqüência da vendeta de Felipão. E quem se importa com isso? A França comemora até hoje a convulsão do Ronaldinho.
E a seleção argentina? Vai bem, obrigada. Mas qual é a moral de Mario Kempes em investir sobre a tradição do Brasil fazer jus a agrados e presentes, se conquistou a Copa de 78 graças ao punhado de dólares despejados pelo ditador Videla no bornal dos peruanos? Até o presidente uruguaio saiu de cima do muro, receoso com a proximidade da quebradeira, exagerando no tom da diplomacia: “Um bando de ladrões, do primeiro ao último, um absurdo querer comparar o Uruguai à Argentina.
Também pudera, se depender da qualidade de jogo praticada pela China, o espectador zapeará outro canal de televisão que não monopolize tanto esse esporte tão jogado sem imaginação, a ponto de Denílson ser considerado a reencarnação de Garrincha, segundo o brilhante teórico e estudioso Felipão.
Juiz ladrão é o pára-raio dos turcos terem jogado para o empate, dos gols perdidos que nem nossas mães deixariam de fazer, e da inveja do talento do jogador brasileiro, docemente irresponsável e dispersivo.

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Antonio Carlos Gaio
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