Nove anos depois de “Nosso Lar”, o diretor Wagner de Assis desfia a biografia de Allan Kardec com ótimo corte, a partir de quando Napoleão III impõe no currículo escolar o ensino de Religião católica no retorno do império à França, até então laica, o que levou Kardec, com 50 anos, a abandonar o ensino (seguidor do método Pestalozzi). A despeito dos críticos, o filme consagra o gênero do espiritismo, tais como “Em algum lugar do passado”, “Além da vida”, “Ghost”, “O sexto sentido”, pois não é uma mera cinebiografia, um simples drama, fantasia ou terror. Não era science fiction quando se anunciou que os mortos iriam falar para mudar o mundo, se existem espíritos por toda parte a nos orientar ou a induzir nossos passos, se estamos condenados a regressar do túmulo para resgatar carmas de vidas passadas de modo a sempre buscar a evolução, perdoar e ser perdoado, amar e ser amado. Se a vida no plano material é apenas um campo de aprendizado que não termina aqui, enquanto a verdadeira vida se processa no Plano Espiritual. De princípio, cético com o fenômeno das mesas girantes até constatar sua convocação pelo Espírito da Verdade, de forma irrefutável (mensagens espíritas) para se tornar o apóstolo do Espiritismo, Kardec caiu no descrédito no seu meio científico, sofreu perseguições da Igreja Católica e do Papado acusado de heresia, caça às bruxas (às médiuns), objeto de maldades do ser humano, alvo de traições. A rejeição foi completa salvo por se ir descobrindo manifestações mediúnicas aqui e ali, tratando-se de uma fenomenologia a ser conhecida e estudada porquanto os médiuns eram remetidos ao hospício. Kardec partiu para codificar o espiritismo e racionalizá-lo de modo que a doutrina fosse assimilada de maneira adequada – tudo tem sua razão de ser, não foi à toa que se tornou um pedagogo. O espiritismo culminou por ajudar a compreender melhor os ensinamentos de Cristo através dos trechos bíblicos (“O evangelho segundo o espiritismo”), acasalando espíritas e cristãos numa persona só ao consagrar o princípio “Fora da caridade não há salvação”, como tônica de nossa existência. Não há como tornar o filme menos solene, conforme desagradavelmente assinalado pelos críticos, se aborda ao final a questão dos suicidas: morrendo, vai reencarnar de qualquer forma, voltando a encarar os mesmos problemas de sempre – portanto, não havendo sentido no ato. Baseado no livro “Kardec, a biografia”, de Marcel Souto Maior, notável a sólida atuação de Leonardo Medeiros no papel de Rivail/Kardec, e como sua postura séria combina com a trajetória de evolução de seu personagem! Ótima fotografia (Nonato Estrela) e direção de arte (Claudio Amaral Peixoto e Helcio Pugliesi) conferem um competente tom da época, especialmente de Lyon. De fato, Kardec veio para abalar o mundo ao liberar mais conhecimento extraído da caixa-preta que encerra a vida, a morte e Deus. (Vale a pena ver de novo para uma segunda abordagem)